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A armada invencível: Paris em lágrimas

Florentino Beirão - 14/07/2016 - 16:42


Ainda mal tinham passado as cheias em Paris, uma nova e maldita onda se abateu sobre a cidade luz. É que o Sena poderá subir agora devido às lágrimas derramadas pelos franceses, perante à armada invencível, comandada pelo devoto Fernando Santos. “Quero que digam que Portugal ganhou a final sem merecer”, profetizara o mister, dias antes do jogo fatal para os franceses.
De facto, como agora se diz a propósito de tudo e de nada, fez-se história no futebol português com esta primeira vitória europeia, que já por várias vezes parecia estar ao nosso alcance. É a vida do desporto rei onde, quem joga mais e melhor, nem sempre é recompensado.
Na verdade, hoje o futebol tornou-se de uma importância tão relevante que, neste mundo global, mexe com todos os sectores da vida moderna. Se economicamente, já ninguém desconhece as fortunas fabulosas que se agitam no meio futebolístico, a nível social, esta paixão tornou-se amplamente transversal, apaixonando novos e velhos, homens e mulheres, ricos e pobres.
A nível político, todos os partidos e governantes não deixam escapar uma pitada dos jogos importantes, pela sua visibilidade, onde não metam o pé e opinem perante as televisões. Não é por acaso que as máximas autoridades políticas, tanto portuguesas como francesas, fizeram sempre questão de acompanhar tão de perto este Europeu. Convictos de que estes momentos são tão importantes para as suas carreiras políticas, tudo apostam para que a sua imagem se cole a estes eventos.
Mesmo o aspeto religioso não tem faltado nos relvados. Rezar sempre ajuda, referem alguns jogadores e treinadores. Quem não tem reparado nos gestos de muitos artistas da bola a benzerem-se e a olharem o céu, antes e durante as partidas desportivas?
É este fenómeno global e de massas que preencheu este último mês em que decorreram os jogos em França, neste Europeu de 2016, onde Portugal levou a melhor face a equipas consideradas à partida, mais favoritas. Parabéns aos artistas da bola, vitoriosos neste torneio – banhados por muito suor e lágrimas – os quais proporcionaram uma forte torrente de alegria aos portugueses, espalhados pelos quatro cantos do mundo. Que bom foi ver os emigrantes a acompanharem os nossos jogadores, dia e noite, manhã e tarde, em França, com bandeiras e cachecóis, numa festa permanente. 
Se, por um lado, estes gestos nos enchem de alegria, há outra face que convém não omitir. O alcainense Hermano Sanches Ruivo, o primeiro português eleito para o município de Paris, no contexto desta vitória portuguesa, fez para a imprensa algumas declarações que convém reter e meditar. Se, por um lado, louva “a maior visibilidade da comunidade portuguesa”, durante este evento desportivo, também revelou “uma falta de preparação e coordenação desta mesma comunidade e das autoridades portuguesas”. Lastimou ainda que não tenhamos aproveitado esta ocasião para promovermos encontros “nomeadamente a nível empresarial e cultural”, como outros países o fizeram. Dispensarmos uma montra destas, só revela estreiteza de vistas de um país pequeno e pobre.
Outra vertente realçada nesta entrevista ao jornal “Público”, em 11.07.2016, Ruivo recordou ainda que uma das grandes prioridades dos emigrantes portugueses em França – cerca de um milhão e meio – é o reforço do ensino da língua portuguesa. Avançando com números, o vereador de Paris recordou que temos em França apenas 30 mil pessoas a aprender a língua portuguesa, enquanto que para a Itália são 250 mil, para a Alemanha são 800 mil e 2,5 milhões para a Espanha.
Passada esta euforia compreensível e saudável, chega-se o tempo de cairmos na realidade de um país que não deve ser apenas futebol. Sim, é bom não esquecermos os estruturais problemas com que nos debatemos. Seja a dívida da CGD, as possíveis sanções de Bruxelas, os bancos falidos, a pobreza escondida ou envergonhada, a crise demográfica, as pensões de miséria, o elevado desemprego, a emigração constante de jovens, o investimento e o crescimento económico débil.
Que este rebuçado, conquistado a pulso e com muita sorte, não nos deixe alienados. 
florentinobeirao@hotmail.com

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