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Leitores. A beira baixa. O Congresso que o não foi

António Abrunhosa - 01/06/2017 - 9:04

Há algumas semanas fui agradavelmente surpreendido por uma página inteira do Expresso que anunciava a realização em Castelo Branco do 1.º Congresso Empresarial da Beira Baixa.

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Há algumas semanas fui agradavelmente surpreendido por uma página inteira do Expresso que anunciava a realização em Castelo Branco do 1º Congresso Empresarial da Beira Baixa. Há mais de uma década que confesso em conversas e por escrito a minha frustração por ver o Alentejo e o Norte fazerem numerosos congressos com rigoroso planeamento, diagnósticos pormenorizados dos seus problemas e definição de planos de ação, enquanto a Beira Baixa ia desaparecendo algures na Beira Interior e os seus habitantes abalavam para o litoral.
O meu entusiasmo pela decisão tão esperada de fazer o 1º Congresso da Beira Baixa levou-me mesmo a antecipar o regresso de uma viagem profissional para poder participar e passei alguns dias a pensar nos problemas atuais e futuros da região e em ideias para contrariar a sua decadência, anunciada por dados estatísticos assustadores. 
Ao longo de uma vida que não foi pacata assisti a numerosos congressos, começando pelo da Oposição Democrática de 1973 e organizei mesmo vários em países tão distintos como a Suíça, a Argentina ou a India. Tinham todos alguns traços comuns: a apresentação dos principais problemas enfrentados pelos Congressistas com exposições detalhadas por panelistas com conhecimento profundo dos mesmos, a proposta de soluções e a sua discussão pelos Congressistas, em plenário ou em grupos de trabalho com temas específicos. A última sessão é em geral dedicada à discussão e aprovação das conclusões e de um plano de ação com um calendário de execução.
Para quem esteve no pomposamente chamado 1º Congresso Empresarial da Beira Baixa é fácil verificar que qualquer coincidência entre este e aqueles é pura coincidência. Dos panelistas que estiveram presentes (alguns faltaram) apenas os que vivem na região e o responsável da Pordata apresentaram dados reais dos problemas enfrentados pela região. 
Esperava-se que sendo os painéis dirigidos pelo Diretor e pelo Coordenador do Porto do Jornal de Negócios houvesse uma linha condutora que permitisse de alguma forma elaborar conclusões gerais das intervenções dos vários empresários que falaram mais pormenorizadamente dos problemas sentidos pelas suas próprias empresas. A entrada do 2º moderador liquidou qualquer esperança de que tal pudesse ser feito. O Senhor Rui Neves para além de exprimir longamente as suas próprias opiniões sobre uma região que claramente desconhece, rapidamente mostrou que não tinha qualquer intenção de ouvir os empresários da Beira Baixa para lá do pequeno número que participava nos painéis. Logo aí um dos elementos fundamentais de qualquer congresso digno do nome foi morto pelo Sr. Rui Neves ao explicar à plateia que só esperava da mesma questões aos panelistas. Suponho que a ideia de que os empresários presentes, perto de uma centena, pudessem pensar ou sugerir o que quer que fosse não lhe deve sequer ter passado pela cabeça. 
O segundo Painel, a região vista por fora, teria sido cómico se não fosse um pouco trágico. O panelista principal começou por dizer que não vinha a Castelo Branco há mais de 15 anos deixando a dúvida de a razão da escolha ter sido a de ele nos explicar o choque que teria tido ao ver a região agora. Infelizmente, ele preferiu explicar durante meia hora a estratégia do setor do calçado em Portugal. Foi seguido por um panelista que explicou, do que se percebeu dada a velocidade a que falava e o som deficiente, a evolução da inovação em Portugal e por outro que longamente perorou sobre a dificuldade de articular os apoios à coesão e os apoios à competitividade nos quadros comunitários de apoio à economia Portuguesa. Quem esperasse números com comparações entre os apoios à região e os apoios a outras regiões do País pôde esperar sentado. Nunca saberemos se o economista que faltou era o que trazia esses números. 
O terceiro Painel tal como o primeiro permitiu a alguns dos empresários mais conhecidos da região explicarem o êxito das suas empresas, mas falarem também das dificuldades que enfrentam. Quem esperava que o moderador retirasse algumas conclusões sobre o que permitiu tais êxitos e o caminho para reduzir as dificuldades, tinha claramente esperanças infundadas sobre as intenções ou a capacidade do Sr. Rui Neves.
Antes do quarto Painel assistimos a duas surpreendentes apresentações. A primeira de uma empresa de consultadoria Francesa especializada em perfumes que veio explicar aos portugueses da Beira Baixa como entrar no mercado Asiático ou, especialmente, no Chinês, de preferência comprando os seus serviços. A segunda de um erudito e bem intencionado Catedrático da Universidade de Salamanca (qual delas não sabemos) que, mais uma vez longamente, elaborou sobre as identidades culturais em Espanha e a necessidade de aprofundar a proximidade entre a Beira Baixa e a Extremadura Espanhola para lá do que a Geografia já nos deu. Desafortunadamente não chegámos a saber como é que tal pode ser feito. E bom jeito dava saber como é que poderemos conseguir que o Governo português seja convencido a ligar a A23 à autoestrada que os Espanhóis já construíram quase até à fronteira com Portugal, decisão unanimemente referida como decisiva para o desenvolvimento da Beira Baixa.
O quarto Painel, a que faltaram dois dos quatro panelistas previstos, permitiu um debate surpreendente entre o Sr. Rui Neves e o Maestro Luís Cipriano. Esperava-se que o Maestro fosse inquirido sobre o que foi e continua a ser a epopeia da criação e manutenção de uma orquestra sinfónica e de um maestro de reconhecidos méritos internacionais, na Beira Baixa. O Sr. Rui Neves preferiu inquirir das vantagens e semelhanças entre a direção de uma orquestra e a direção de uma empresa ou de uma região. A temática, já de si apaixonante, permitiu aos Congressistas que ainda resistiam, aceder ao pensamento de Luís Cipriano quanto às vantagens da competência sobre a democracia. O que foi de grande utilidade para dar o mote à intervenção de António José Seguro que, esse sim, fez uma intervenção brilhante sobre uma das razões fundamentais de algumas das dificuldades que a Beira Baixa atravessa: a ausência de uma voz politica que possa congregar e articular as propostas dos empresários e dos cidadãos da Beira Baixa e exprimi-las junto do poder central. A Beira Interior e a Região Centro são entidades administrativas e os concelhos pela própria natureza eleitoral que os rege tendem a rivalizar antes de se juntarem. As Comunidades Intermunicipais criadas na Beira Baixa foram a prova disso e a sua capacidade politica, por enquanto, é extremamente limitada. Quanto aos Deputados do distrito são poucos, serão menos no futuro e dependem demasiado das Direções Partidárias Centrais para poderem exprimir posições fortemente críticas à atuação de qualquer Governo Central.
O arrastar do quarto Painel com perguntas mirabolantes do Sr. Rui Neves aos panelistas e a sua preocupação pelo atraso da chegada do Sr. Secretário de Estado da Indústria que permitiu, claramente contra a vontade do moderador, a intervenção por cinco minutos de alguns congressistas, deixa-me a suspeita do Sr. Rui Neves estar muito mais interessado na participação do dito Secretário.
Numa intervenção de um entusiasmo quase contagiante o Engenheiro Vasconcelos explicou como a Beira Baixa tem já um conjunto de empresas capazes de colaborar ou mesmo comandar o avanço imparável da Pátria, reforçado pelas centenas de medidas que o atual Governo criou ou continuou para apoio às empresas, especialmente as startups ou scaleups que, a ouvi-lo, devem ser a larga maioria das empresas da Beira Baixa. Algumas medidas chegam mesmo à generosidade de dar cinco mil euros a cada empresa ficando apenas a dúvida sobre a capacidade das empresas da Beira Baixa de conseguirem navegar no perigoso mar dos sargaços que é a impenetrável rede de centenas de iniciativas e medidas de apoio que exigiriam a cada empresa ter funcionários especializados só para descobrir a quais delas elaborar e acompanhar as candidaturas, se não forem ajudados e orientados por alguém mais amigo ou mais próximo do dito Secretário.
Pena foi que, mais uma vez, não fosse permitido aos Congressistas questionarem o distinto Governante sobre se ele acredita que tais medidas pararão a desertificação galopante de uma região que perdeu 10% da população em quinze anos, perderá metade em muitos dos seus concelhos nos próximos vinte, tem mais lares de idosos do que escolas primárias e tem várias empresas industriais com milhares de postos de trabalho que correm o risco de encerrar nos próximos cinco.
Mas este é um tema que só poderá ser debatido num Congresso a sério.
 

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