Este site utiliza cookies. Ao continuar a navegar no nosso website está a consentir a utilização de cookies. Saiba mais

A Experiência de Stanley Milgram

Luís Beato Nunes - 20/07/2017 - 11:48

No final da II Guerra Mundial e nas décadas que se seguiram a esta vergonha da humanidade, surgiu a dúvida perfeitamente compreensível de como é que pessoas cultas e inteligentes puderam organizar um sistema tão sofisticado e eficiente quão macabro de violência e morte. 
Para compreender este comportamento inumano, Stanley Milgram, um cientista social cujos pais haviam fugido ao ambiente de medo e perseguição que se vivia na Europa de Leste, começou em 1961 uma série de experiências com o intuito de estudar até que ponto é que os seres humanos obedeciam a uma autoridade, por mais imoral que esta fosse.
O impacto social e científico destas experiências foi recentemente abordado no filme The Experimenter (2015), de Michael Almereyda, onde se explora a desumanidade a que todos estamos sujeitos se deixarmos de ter consciência do outro e de como a presença deste nos deve obrigar a reflectir sobre o limite das nossas acções.
Conhecida como a experiência de Milgram, esta acabou por ter um impacto extraordinário nos aspectos jurídicos e filosóficos da obediência, nomeadamente a liberdade do indivíduo em questionar a legitimidade da autoridade que lhe dá ordens e a impossibilidade de desresponsabilização individual face a decisões que implicam o sofrimento de outros seres humanos.
Milgram criou um cenário em laboratório em que o sujeito da experiência, um “professor”, ensinava pares de palavras ao seu “aluno”, um actor contratado por Milgram, e sempre que este último não acertasse nos pares correctos das palavras o “professor” devia dar um choque eléctrico ao “aluno” (o choque era fictício, mas o “professor” não sabia).
A conclusão do estudo foi a extrema disposição de pessoas adultas em seguir cegamente as ordens de uma autoridade e, sobretudo, a sua desresponsabilização individual perante ordens que levavam à destruição consciente de uma vida humana.
Uma percentagem assustadora de 99% da amostra de quase 800 sujeitos do estudo não se importou de dar uma descarga fatal de 350 volts ao seu “aluno”, sendo que todos os sujeitos envolvidos na experiência levavam um choque de 45 volts para perceberem a dor potencialmente infligida.  
Em 1964, Milgram recebeu por este trabalho o prémio anual em psicologia social da American Association for the Advancement of Science. Os resultados da experiência foram apresentados no artigo Behavioral Study of Obedience no Journal of Abnormal and Social Psychology (Vol. 67, 1963 Pág. 371-378) e posteriormente no seu livro Obedience to Authority: An Experimental View 1974.
Apesar de Orne & Holland (1968) defenderem que o estudo de Milgram foi conduzido em condições laboratoriais com total ausência de «realismo experimental», e que os participantes poderiam saber que o “aluno” não recebia choques eléctricos, a possibilidade de as conclusões de Milgram serem verosímeis deve deixar-nos muito apreensivos.
Stanley Milgram realizou 18 variações ao seu cenário laboratorial e, mesmo assim, a obediência cega às ordens de uma autoridade científica que ordenava a aplicação de choques eléctricos fatais a um “aluno” obrigam-nos a reflectir sobre a nossa liberdade individual em desobedecer quando uma ordem implica o sofrimento de ouros seres humanos.    

luis.beato.nunes@gmail.com

COMENTÁRIOS