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A explosão da utopia - maio de 68: Aurora de um mundo novo

Florentino Beirão - 24/05/2018 - 10:58

É interdito, de interdir. Não sabemos para onde vamos, mas isso não é motivo para não irmos”. Esta frase da romancista Marguerite Duras sintetiza bem o espírito utópico da luta dos jovens franceses imersos num forte movimento de contestação nas ruas de Paris, em maio de 1968. Já lá vai meio século. O epicentro desta “revolução-ficção” foram os liceus e as universidades de Nanterre e da Sorbone. O que parecia um movimento de jovens descontentes, numa França parada e cristalizada, tornou-se num acontecimento aglutinador de várias lutas que, correndo das universidades para as ruas, chegou às fábricas e ao mundo.
Nesta luta, se incluíam os anarquistas, marxistas antiestalinistas, maoistas e trotskistas. Esta salada russa não alvejava a conquista do poder político, mas uma radical mudança cultural, de mentalidades e de costumes. Frases como estas: ”é proibido proibir”, “sejam realistas, exijam o impossível”, “errado é haver violência”, traduzem bem a dimensão complexa deste movimento utópico. Todo o clima de revolta inspirava-se também em Che Guevara, morto na Bolívia no ano anterior, o qual se tornou num dos ícones dos estudantes que lutavam como “guerrilheiros” nas barricadas, com pedras na mão, contra a polícia.
Com esta revolução social, uma França adormecida e de bem- estar social que se seguiu à 2.ª guerra- mundial, acabou por sofrer um tal abalo que a levaria a ter de ceder a um conjunto de importantes reivindicações sociais dos estudantes e dos trabalhadores.
Em maio de 68, tudo começou a ser posto em causa: a sociedade tradicional, o estado burocrático, a família convencional, o autoritarismo da escola disciplinadora, o recalcamento sexual, a guerra, o racismo, a subordinação das mulheres e o consumo alienante.
Influenciados por estes ideais, uma vaga de movimentos revolucionários, inspirados em Paris, surgiram por quase todo o mundo. Da cidade do México a Tóquio, de Varsóvia a Berlim, da Bélgica ao Japão, de Praga a Roma, do Egito à América e, finalmente, até à Rússia. Todo este rastilho se propagava enquanto na China se dava a Revolução Cultural e, no Vietname, os americanos morriam ingloriamente. O Vaticano II (1962-1965), com o aggiornamento de João XXIII, e a teologia da Libertação, já anunciavam também novos tempos. Por sua vez, Espanha e Portugal acabaram por ser também atingidos, apesar das ferozes ditaduras de Franco e Salazar. Certamente, muitos de nós se recorda das revoltas e das greves nas universidades, com o governo a ter de enviar polícias de choque e cães, na década de 60, para dominarem os estudantes.
A maioria das lutas desta década não procurava a tomada do poder político, mas a mudança de uma sociedade tradicionalista, em aspetos limitativos da liberdade individual e social. O sistema político implantado na Europa, após a 2ª guerra – mundial, começava já a entrar em crise, não respondendo aos anseios das novas gerações, sobretudo dos filhos das classes médias, a qual, ao contrário dos seus pais, já vivia envolvida em abundância de bens materiais.
A festa acabaria com a derrota de De Gaulle em referendo, seguida da sua demissão, em Julho de 68. Assim se colocava um ponto final no regine francês do pós-guerra. Destes dias loucos, em que tudo foi posto em causa, o que sobrou desta festa, repleta de sonhos e utopias?
Logo no ano seguinte, na América, a revolta da juventude acabou por resultar na produção do Festival de Woodstock, onde a loucura juvenil explodiu em comportamentos mais liberais nos costumes. Outra herança concretizou-se nos vários movimentos sociais que se empenharam nas lutas contra o sexismo, o racismo, pelos direitos civis, pelo ensino público e por novas relações entre professores e alunos, mais democráticas. Na política, as quotas das mulheres começaram a ser mais tidas em conta. Há inda outros aspetos que esta década nos deixou como herança. Nomeadamente, o narcisismo moderno e o sentido hedonista de vida. A exigência de direitos, sem os consequentes deveres. O nivelamento por baixo do nível cultural, o individualismo e o relativismo radical. Acresce ainda o niilismo da vida, sem perspetivas e uma revolução sexual, sem responsabilidade. Se os jovens de 68, exigiram mudanças, sobra aos jovens de hoje, com salários de miséria, sem estabilidade na vida e sem perspetivas de futuro, terão razões, mais que suficientes, para “gritam vocês, ou outros gritarão?”, como desafiou o papa os jovens (24.03.18), por condições mais humanas, pacíficas e justas.
florentinobeirao@hotmail.com 

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