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Uma geração de talento

Luís Beato Nunes - 08/03/2018 - 10:10

Discursos vazios têm constatado que o país formou nos últimos trinta anos a geração melhor preparada para enfrentar os desafios do mercado de trabalho, culturalmente emancipada e crítica de vários traços marcadamente lusitanos.
Esta é igualmente uma geração que soube reinventar a cultura portuguesa e explorar as oportunidades de um mundo aberto e com cada vez menos entraves à mobilidade internacional, apesar das notícias recentes que nos chegam dos EUA e da própria União Europeia.
Refiro-me à vacuidade dos discursos, porque na maioria das vezes eles se limitam a constatar, com uma certa tristeza, que Portugal voltou a ser um país de emigrantes, muitos deles com educação superior e com qualificações que fariam falta ao mundo empresarial nacional.
Porém, estes discursos limitam-se à constatação de uma realidade que há algum tempo se antecipava, em que as empresas continuam sem saber como aproveitar as qualificações dos recursos humanos formados pelas universidades e em que os salários baixos permanecem a regra num mercado laboral em lenta adaptação às competências adquiridas por estas novas gerações.
Não são apenas as universidades que devem aproximar-se do mundo empresarial, mas também este deve procurar o auxílio destas instituições, procurando inovar os produtos e serviços disponibilizados ao mercado e, se possível, estudar estratégias de internacionalização.
A par desta falta de diálogo entre as universidades e o mundo empresarial, continua presente um certo provincianismo dos salões de Lisboa incapaz de olhar para além do seu umbigo, difundindo ideias preconceituosas e perpetuando assimetrias regionais que empobrecem a vida social fora dos grandes centros urbanos do litoral.
Para quem cresceu na Zona Raiana, a desconfiança de ditados populares como “de Espanha nem bons ventos, nem bons casamentos” nunca fez grande sentido, para além de não reflectir as relações fraternas entre os dois lados da fronteira, sobretudo durante o século passado.
Mas se os espanhóis merecem a desconfiança de Lisboa, já as ruas e fachadas dos edifícios devem estar impecavelmente apresentáveis “só para inglês ver”, nem que seja apenas durante um fim-de-semana para deleite dos turistas que se ficam pelo litoral atlântico e pelas praias algarvias.
A elite cultural, por outro lado, continua a valorizar todas as novidades que vêm da Europa, em detrimento do que é feito nas várias associações culturais um pouco por todas as autarquias do país, mantendo vivas as tradições regionais e a cultural popular.
Apesar das profundas alterações sociais, políticas e económicas nos últimos trinta anos, o país parece ainda uma caricatura de um romance do Eça de Queiroz em que o silêncio de certos maneirismos teima em se sobrepor ao ruído dos desabafos em forma de discursos. 
Mas os discursos permanecem vazios quando os jovens casais chegam ao fim do seu rendimento disponível com dez ou quinze dias do mês ainda em falta. Quando os patrões continuam a querer enriquecer alavancados nos resultados do trabalho dos outros e não na sua vontade de arriscar, inovar e empreender.
Enfim, o talento não se perde pelo facto de um crescente número de jovens estar a emigrar, mas pelo facto de as fastidiosas desconfianças, servilismos e altivez cultural emanadas dos grandes centros urbanos continuarem presentes num país que, mesmo assim, mudou muito nos últimos trinta anos.
luis.beato.nunes@gmail.com

 

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