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A reforma de Lutero (1): Um homem atormentado

Florentino Beirão - 10/08/2017 - 9:57

Comemorando-se este ano o 5.º centenário (1517) do arranque da reforma protestante, iniciada por Martinho Lutero (1483-1546) na Alemanha, tentemos indagar algumas causas e consequências deste complexo acontecimento que dividiu a cristandade cristã europeia. No norte, países protestantes, e no sul, católicos.
Comecemos por tentar conhecer este frade agostinho. Nascido na Alemanha, em Vitemberg, era filho de um mineiro e entrou para um austero convento aos 22 anos em 1505, cobrindo-se aqui com um áspero hábito de lã de eremita.
Espírito atormentado pelas mazelas dos conturbados tempos do séc. XV-XVI, a sua vida conventual tornou-se um refúgio contra os males e perigos que se viviam na sociedade.
Como eremita, não lhe teria sido fácil viver dentro de um convento, ao longo de 15 anos, onde se praticavam duras penitências, em ambiente de profunda entrega à vida religiosa.
Imerso neste clima conventual, dotado de uma poderosa inteligência, imaginação e intensa sensibilidade, Lutero, interiormente, passou a sua juventude num clima de sofrimento interior. Vivendo em finais da cristandade da idade média, com cenas terríveis do Juízo Final, esculpidas nas principais fachadas das catedrais góticas, a sua imagem de Deus era a de uma figura implacável e vingadora. Face a estas representações, o frade agostinho temia e tremia pela sua salvação eterna, face a um Deus distante, castigador e severo juiz.
Esta convicção tornou-o um místico piedoso, lutando pela salvação da sua alma, através de constantes jejuns e vigílias. Em 1510, forma-se bacharel em teologia. Terminado este estudo, decidiu viajar até Roma, para junto do opulento papado de Júlio, da família dos luxuosos Bórgias, senhores de imensas riquezas.
Vindo de uma vida conventual tão austera, na cidade eterna, o frade agostinho deparou-se com a cúpula da Igreja - papa, cardeais e bispos - regalados, a viver num ambiente faustoso, carente de fé, praticante da simonia, vivendo à custa das suas prebendas do negócio da venda das indulgências. Os cristãos acreditavam piamente que, através da compra destes benefícios espirituais, lhes eram perdoados os pecados, e, além disso, podiam ajudar os defuntos a livrarem-se mais rapidamente das penas que os lançaram no atormentado purgatório.
Conhecendo de perto este ambiente apodrecido, que, segundo ele, contradizia a mensagem de Cristo, regressou ao seu convento onde se dedicou a ensinar teologia, nomeadamente os Salmos e a Carta de S. Paulo aos Romanos, em 1515 e 1516.
Baseado nestes estudos exegéticos, Lutero intuiu e acreditou que o justo, apenas se poderia salvar pela Fé e não pelo fruto das suas obras. Imbuído desta crença, em 31 de outubro de 1517, afixou as suas 95 teses na porta da igreja do castelo de Vitemberga, em linguagem serena, onde atacou a doutrina das indulgências, por supostamente garantirem aos cristãos falsas esperanças no seu poder espiritual. Criticava ainda o modo como a Igreja e o Papa (denominado de anticristo) viviam, dando maus exemplos, contradizendo o Evangelho de Cristo.
Esta atitude desafiadora colocaria em questão os ensinamentos e a prática das cúpulas eclesiásticas, as quais se sentiram atingidas. Face esta postura de Lutero contra Roma, embora de um modo algo precipitado, o papa Leão X, da família dos Médicis, decidiu agir rapidamente. Para tal, chamou a Roma Martinho Lutero, em 18 de abril de 1518, entregando-o a uma comissão inquisitorial onde lhe foi exigido que se retratasse, nomeadamente, na sua doutrina acerca das indulgências e da justificação dos fiéis. Deste modo foi empurrado para uma situação de condenação, como herege. Esta reunião ficaria designada pela célebre dieta de Worms, a partir da qual, Lutero foi considerado um perigo ameaçador para a piedade tradicional dos fiéis e para a crença nos dogmas. Alegando dever de consciência individual, decidiu não se retratar do que o acusavam. Recorde-se porém, que o frade agostinho não se encontrava sozinho na contestação à Igreja de Roma, tida por muitos, como o humanista Erasmo, Wiclef e Huss, como uma grande pecadora, a reformar. Os tempos de uma igreja dogmática, centralizadora e dominante, fruto de uma sólida cristandade medieval, começava a tremer. Ventos modernizadores, soprados pelo renascimento humanista e pelas doutrinas luteranas, realçando o valor do indivíduo, iniciaram uma tão profundas mudanças de mentalidades e sócio - económicas na Europa que jamais viveria como dantes. Voltaremos ao assunto.
florentinobeirao@hotmail.com

 

COMENTÁRIOS

Joao Pedro
à muito tempo atrás
Num jornal de inspiração cristã, em vez de se falar dos grandes santos que Deus suscitou na chamada contra-reforma depois do Concilio de Trento, preocupa-se mais em falar de Lutero. Estranhos tempos, estes.