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Leitores: Acordar- O atual momento político

António Abrunhosa - 27/07/2017 - 12:26

Em 1990 os Madredeus lançaram um disco que marcou uma geração. Uma das suas melhores canções dizia ‘’Ao largo ainda arde a barca da fantasia; o meu sonho acaba tarde, acordar é que eu não queria.’’ Com dois versos os Madredeus anunciaram o futuro que nos esperava.

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Em 1990 os Madredeus lançaram um disco que marcou uma geração. Uma das suas melhores canções dizia ‘’Ao largo ainda arde a barca da fantasia; o meu sonho acaba tarde, acordar é que eu não queria.’’ Com dois versos os Madredeus anunciaram o futuro que nos esperava.
O que se passou em Portugal nas duas últimas semanas é um daqueles momentos em que há um antes e um depois na vida de um país.
O incêndio de Pedrógão levou à morte de 64 pessoas e feriu ou arruinou mais de uma centena.
O roubo de Tancos não matou ainda ninguém, mas o já só insuportável e sorridente otimismo de António Costa pode levar alguém a acreditar que não matará no futuro.
Nas últimas duas décadas morreram já centenas ou milhares de pessoas em consequência dos escandalosos fracassos do sistema político-partidário Português. Os quarenta mil milhões de Euros roubados à Banca Portuguesa mais os cento e tal mil milhões que sucessivos Governos desbarataram em projetos ruinosos com um dos maiores endividamentos públicos do mundo, levaram já a uma emigração massiva de velhos e novos, à degradação abjeta do sistema público de saúde e à redução brutal das condições de vida de trabalhadores, desempregados e pensionistas. Há seguramente centenas senão milhares de mortes que são consequência desta ruína politica, mas não foram levadas à sua conta.
Os 64 mortos de Pedrógão e os que venham a ser assassinados pelas armas de Tancos, esses sim, podem e devem ser assacados à progressiva podridão de um Estado que debaixo da pompa balofa das inúmeras cerimónias e eventos a que o Presidente da República se desloca todos os dias, mostra ser já incapaz de assegurar a defesa do direito mais essencial dos cidadãos, o seu direito à vida.
Que ninguém se iluda. Estes dois gravíssimos acontecimentos não são a consequência duma conjunção excecional de fatores negativos. Ela também existiu, mas só teve as consequências que teve porque inúmeros disparates, incompetências, negociatas e gerações de políticos mercenários levaram a tal.
A diarreia legislativa de sucessivos Governos e de um Parlamento cada vez mais afastados dos Portugueses conseguiram que, no papel, praticamente todos os desastres possíveis no mundo estejam previstos e controlados. 
A incongruência da legislação, a multiplicação de centros de interesse, negócio e poder na administração pública e no poder politico que a dirige, a irresponsabilidade de quem é suposto vigiar o cumprimento da lei e o progressivo alheamento da ação governativa face aos perigos reais vividos pelos cidadãos levou ao absurdo criminoso de um SIRESP que custou 500 milhões e só funciona quando não é preciso e de um quartel em que o maior paiol do país tem as câmaras de vigilância inativas há mais de cinco anos.
Jorge Coelho não é um exemplo a seguir em muita da sua vida política, mas condenou irrevogavelmente à vergonha pública a atual Ministra da Administração Interna e o Ministro da Defesa.
É óbvio que Jorge Coelho não foi responsável pelos mortos da ponte de Entre Rios. Mas, ao demitir-se, quis deixar claro que o responsável por um Ministério que deixa chegar as coisas a esse ponto não pode continuar a dirigi-lo.
Constança Urbano de Sousa mostrou logo no horror daquele fim de semana que não tem qualquer controle sobre as inúmeras entidades cuja descoordenação é em parte responsável pelo desastre, não tem qualquer ideia sobre como evitar outro igual e não foi sequer capaz de montar uma estrutura imediata que garanta a sobrevivência diária de centenas de pessoas que viram desaparecer tudo o que tinham numa noite. Um Ministro da Defesa que uma semana depois do gravíssimo assalto a uma unidade militar não conseguiu explicar aos Portugueses como tal foi possível não está com certeza à altura de evitar que outros, talvez mais graves venham a ser feitos.
Já deviam ter sido remetidos para um dos inúmeros Institutos, Centros, Observatórios e Fundações onde milhares de colegas seus têm secretária, carro com motorista e um salário principesco sem que nenhum dos milhões de contribuintes que os sustenta alguma vez venha a saber como ocupam os seus inúteis dias.
Talvez devessem convidar Mário Centeno a acompanhá-los. Centeno foi em tempos um economista sério, mas Costa conseguiu levá-lo a esquecer a lição definitiva de Marshall de que não há almoços grátis.
A tradição cínica que uma parte do PS, desde Guterres, descobriu numa leitura vesga de Maquiavel, convenceu Centeno a vender aos Portugueses a ilusão de que era possível manter a funcionar os inúmeros serviços públicos que supostamente garantem a segurança dos Portugueses e, ao mesmo tempo somar 120 000 funcionários públicos aos que o país já não consegue pagar, dar-lhes 35 horas de trabalho semanal e ordenados superiores aos do setor privado.
Infelizmente Marshall tinha razão.
A vigarice da cativação dos pagamentos do Estado que permitiu a ilusão da redução do défice, isto é, do aumento imparável da dívida pública, é em parte responsável pelas mortes de Pedrogão e pelos roubos de Tancos.
Se Centeno se lembrasse ainda da decência que já teve, ele próprio se demitiria já que o Primeiro Ministro só o é porque remeteu para uma parte inatingível do seu cérebro a má consciência ou os remorsos por tais atos e não lhe assiste o conceito de demissão por imoralidade política, como se viu com o que fez a António José Seguro.
Que Costa tenha ido para a praia logo a seguir a tudo isto é o sinal que faltava para demonstrar a completa ausência de valores morais dos fotogénicos políticos que nos governam. Alguém consegue imaginar Sá Carneiro, Mário Soares ou mesmo Sampaio a ir para a praia em tais circunstâncias? 
Mas esses eram homens de outro tempo que cresceram a construir o carácter. Sempre a rir, Costa cresceu a destruir o seu.
Vivemos tempos sombrios.

António Abrunhosa

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