Este site utiliza cookies. Ao continuar a navegar no nosso website está a consentir a utilização de cookies. Saiba mais

Cata-Ventos: Almaraz faz pensar em Chernobil e em Fukushima

Costa Alves - 17/03/2016 - 10:56

A poluição do Tejo, muito frequente e ostensiva entre maio de 2015 e fevereiro de 2016, trouxe também uma maior preocupação com a central nuclear de Almaraz, localizada a cerca de 100 km da fronteira. Uma central controlada por empresas como Iberdrola, Unión Fenosa e Endesa e cujo ciclo de vida foi prolongado dez anos, até 2020.

Em 3 de fevereiro deste ano, sofreu duas avarias nos motores das bombas de água levando o Conselho de Segurança Nuclear de Espanha a alertar para “falhas no sistema de arrefecimento” e a sublinhar “não haver garantias suficientes de que as bombas de água do sistema de serviços essenciais da central operem com normalidade”.

No dia 22, nova avaria devido a “uma paragem automática da turbina seguida de paragem do reator” em consequência de uma anomalia “num interruptor de uma das barras de alimentação elétrica, provocando um aumento de nível no gerador de vapor”. Em setembro de 2015, tinha-se verificado outra anomalia e uma inspeção manifestava reservas quanto ao sistema de válvulas que apresentava problemas do mesmo tipo da central japonesa de Fukushima (resisto, sob protesto, a escrever Fucuchima; já o fiz para Chernobil, substituindo o y à inglesa).

Quando se fala em Almaraz, penso em Fukushima e também em Chernobil. Nas mãos, dois livros: “Fukushima – Crónica de um Desastre” de Michael Ferrier e o recém-publicado em Portugal, “Vozes de Chernobyl: História de um Desastre Nuclear” de Svetlana Alexievich, prémio Nobel da Literatura em 2015.

Tanto num local como no outro, as autoridades garantiam que estava tudo controlado e que nunca haveria nenhum acidente. Disseram-no em todas as línguas, mas a resposta foi de “uma improvisação de meios completa”. Confessava um habitante de Chernobil: “com o nuclear, a única regra é esta: temos de partir para o mais longe e mais depressa que pudermos”. Em Fukushima, a zona interdita de evacuação forçada foi fixada em 20 km mais 10 de isolamento obrigatório; os EUA recomendaram aos seus cidadãos que se afastassem para mais de 80 km.

Ninguém estava preparado para o desconhecido que iria chegar de explosões e incêndios em Chernobil e em sequência de um tsunami em Fukushima. Conhecíamos o “nuclear militar” em Hiroxima e Nagasáqui mas, antes de Chernobil, não sabíamos que “o nuclear civil” pode resultar da opção de produzirem eletricidade por essa via.

A radiação emitida pela matéria radioativa é invisível a olho nu e não tem cheiro nem som. É indetetável pelo tato, indiscernível pelo gosto, exceto em condições extremas em que, segundo sobreviventes de Chernobil, em 1986, fica um sabor metálico na língua. Cada pessoa atingida fica como se se tivesse transformado num reator. Quem conhecera a guerra pensava que “o mais horrível já [lhes] tinha acontecido”, mas ainda não tinha visto seres humanos e animais transformados em objetos radioativos que explodiam de outra maneira.

Quando chega a Fukushima, Michael Ferrier pensa “em Guernica” e vê “a garganta dos monstros de Goya”. Depara-se com “o apagamento das coisas”, com “tudo o que já não tem forma, que já a nada se assemelha”. Diz que a central nuclear “é um monstro que cospe ininterruptamente o seu bafo mortal” e passou a ser um “símbolo do que nunca se deveria ter permitido fazer”.

Não se aprendeu grande coisa com Chernobil mas, em 2011, com Fukushima, esfriou o negócio de construir centrais para a produção de eletricidade por este caminho. Mas deram mais vida à morte de Almaraz…

COMENTÁRIOS