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Debita nostra LXXV

Luís Costa - 30/11/2017 - 9:48

"Embora na maior parte dos casos não seja ilegal ter uma entidade offshore, o sigilo oferecido por essas operadoras atrai gente que quer lavar dinheiro, traficantes de drogas, cleptocratas e outros tipos de criminosos que desejam mover-se na sombra. As companhias offshore, (…) também são usadas em complexas estruturas de evasão fiscal que desviam milhares de milhões de euros que era suposto serem canalizados para os cofres públicos.” (Expresso diário, 05-11-17).
Um dos graves problemas com que se debate o ‘modelo social europeu’ é o da multidão dos excluídos (outsiders), resultante de uma competitividade sustentada na contenção dos custos (valor) do trabalho (DEBITA NOSTRA LXXIV). Há, porém, um outro não menor problema que é o do seu financiamento, vulgarmente considerado consequência dos atuais desequilíbrios demográficos.  
Só que estes dois problemas estão diretamente relacionados. E não deixam de, em simultâneo, apelar a uma intervenção democrática (supranacional), num contexto em que a desvalorização do trabalho se tornou diretamente proporcional ao aumento da parte que lhe cabe no pagamento da despesa. 
O peso da despesa sobe, desde logo em termos proporcionais, com a contração da população ativa. E não são só os 20% cuja precariedade lhes impede qualquer proteção social espontânea, quanto mais entrarem num sistema de repartição! São também os outros tantos que não trabalham nem estudam (Education at a Glance, OCDE) e que acabam por legitimar aquela precariedade. Não só porque objetivamente a convertem num mal menor, mas também porque suscitam um argumento em tudo idêntico ao de quem, agora legitimamente, prefere a prisão perpétua à pena de morte.
Mas o maior impacto advém do peso da carga fiscal e da forma como ele ilude a distribuição global do rendimento. Sobretudo pela fatal irredutibilidade do trabalho aos sofisticados mecanismos de drible fiscal, de que vamos tendo notícia, quando se lhe soergue uma pontinha do véu.
Ficamos então a saber que não sendo os offshore, na sua maioria, ilegais, são em grande parte usados na evasão fiscal de milhares de milhões de euros que não seria ilegal. E constatamos, assim, a naturalizada persistência de um privilégio aristocrático que a implantação das democracias havia julgado derrubar.
Ora, é desta estrábica ordem das coisas que resulta um outro encargo que inevitavelmente há de sobrar para o trabalho: o da dívida. Sabemos como os devedores são sempre presa fácil de mais ou menos paradisíacos credores. Mas saberemos como estes dependem daqueles, num empolamento financeiro que até faria rodopiar no túmulo o mais circunspeto Adam Smith?
É claro que dificilmente a ‘boa prática’ das moedas locais, ou mesmo a da sua federação, resolveria tal problema. Mas, e se um congregado poder político ganhasse suficiente legitimação para distinguir as moedas-aforro da moeda em circulação (token)? E se aquelas só fossem convertíveis mediante os adequados procedimentos fiscais? 
Quem salvaria tal etérea riqueza de uma galopante inflação?

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