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Leitores: Eu e o Dr. José Pedro Sousa não devemos morar na mesma cidade

José Dias Pires* - 06/04/2017 - 10:59

Numa conferência de imprensa convocada para abordar a questão da diminuição de eleitores nos cadernos eleitorais do Concelho de Castelo Branco, José Pedro Sousa, o candidato do CDS-PP à Câmara Municipal de Castelo Branco, acusou o Partido Socialista de ser o principal responsável pelo despovoamento, desertificação e descapitalização do concelho.

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Numa conferência de imprensa convocada para abordar a questão da diminuição de eleitores nos cadernos eleitorais do Concelho de Castelo Branco, José Pedro Sousa, o candidato do CDS-PP à Câmara Municipal de Castelo Branco, acusou o Partido Socialista de ser o principal responsável pelo despovoamento, desertificação e descapitalização do concelho.
Principais argumentos:


1 — Confundiu-se o desenvolvimento, o progresso, a modernidade com a política do novo-riquismo.


2 — Aprovou-se o licenciamento de milhares e milhares de metros quadrados de grandes superfícies comerciais, perfeitamente desajustada à realidade económica e social do concelho e do distrito de Castelo Branco.


3 — Por cada posto de trabalho criado numa grande superfície comercial, normalmente de trabalho precário, são quatro, os postos de trabalho que se extinguem no comércio tradicional e na indústria local.


Pergunto-me: será que eu e o Dr. José Pedro de Sousa moramos na mesma cidade?


Conheço Castelo Branco há sessenta e cinco anos. Nesta cidade nasci, cresci e vivo. Sou dos que, desde sempre, acompanharam, com o crescimento urbano, o processo que nos levou das pequenas lojas de bairro aos supermercados no centro da cidade, às cooperativas de consumo e ao primeiro hipermercado, o Espaço, que levaria, presumo, ao que designa por confusão entre desenvolvimento, progresso e modernidade com novo-riquismo.
Lembro-me bem dos tempos em que tocavam as sirenes para as entradas e saídas nas médias oficinas da Automecânica, Metalúrgica, das serrações, da Nova Empresa de Moagens, cujos operários compravam nessas pequenas lojas de bairro, deixando, nos cadernos de apontar, os registos das suas despesas, que pagavam à quinzena ou ao mês.
Lembro-me dos esforços infrutíferos das cooperativas de consumo, especialmente da Cupbeira, em tentar constituir, com o pequeno e médio comércio local, uma central de compras que pudesse competir com o hipermercado Espaço, que entretanto abrira no último quarto do século passado.
Lembro-me do esforço da Câmara Municipal desde Armindo Ramos até aos nossos dias, passando pelo bom trabalho de César Vila Franca e enorme dedicação e visão estratégica de Joaquim Morão, que hoje continua com Luís Correia, em constituir uma das mais pujantes zonas industriais do interior do país.
Será que isso significou menos desenvolvimento, retrocesso e despovoamento?
Será que tudo isso se fez sem investimento e com descapitalização?
Será que são novos-ricos (e quem são eles?) os que hoje trabalham nas empresas da zona industrial e compram nas grandes superfícies comerciais, mas também nas lojas de bairro?
E o que foi, é e será o comércio tradicional nas pequenas cidades? Mercearias? Lojas de artesanato? Retrosarias? Livrarias, papelarias, postos de vendas de jornais? Barbearias e salões de cabeleireiros? Drogarias e lojas de ferramentas? Farmácias? Restaurantes, churrasqueiras, tasquinhas e tascas? Pequenas lojas e oficinas de eletrodomésticos? Lojas de roupa para crianças e adultos? Padarias e pastelarias?
Há de tudo isto nas novas superfícies? Há. 
Deixou de haver no resto da cidade? Não.
Devia haver menos nas grandes superfícies? Não creio.
Devia haver mais no resto da cidade? Nalguns casos, especialmente nos pequenos serviços, naturalmente que sim.
Mas é esta realidade a grande culpada da desertificação falada no concelho? Não creio.
Só se se quiser confundir migrações de proximidade (que não desertificam em absoluto, mas deslocalizam, por necessidade de aproximar o local de habitação ao posto de trabalho) com migrações para o litoral e emigrações para o estrangeiro, fruto das más políticas neoliberais dos últimos anos dos governos centrais e não das autarquias.
Nos últimos anos o esforço do trabalho dos autarcas albicastrenses do Partido Socialista possibilitou a criação de mais de 2 000 postos de trabalho na cidade, 1200 devido aos “famigerados” call centers (realidade gerada pela globalização do comércio e serviços) que são hoje um outro (sei que não o melhor) modelo de trabalho e de emprego, e as grandes superfícies perto de 1000. 
Será lógico e aceitável dizer que foram eles que contribuíram para a desertificação, a falta de investimento e o retrocesso do progresso?
Pois é, parece-me mesmo que não moramos na mesma cidade.
Deixarei de parte um debate sobre as ideias, a criatividade e a cultura em Castelo Branco, cuja evidência nos avassala todos os dias com a programação cultural, a atividade associativa e académica na nossa cidade, mas não posso deixar de rebater um último argumento do Dr. José Pedro Sousa, que diz: “por cada posto de trabalho criado numa grande superfície comercial, normalmente de trabalho precário, são quatro, os postos de trabalho que se extinguem no comércio tradicional e na indústria local”. 
As contas são simples: as grandes superfícies criaram cerca de 1000 postos de trabalho. 
Quer isto dizer que se extinguiram 4000 postos de trabalho no comércio tradicional em Castelo Branco! É obra! Grande metrópole aquela em que ele vive. Pequena, a crescida cidade onde vivo e na qual continuo, também, a utilizar o comércio tradicional que por cá existe, cujos proprietários e empregados (estes quase todos precários, infelizmente) trato e me tratam pelo nome. 


*Presidente da Assembleia de Freguesia de Castelo Branco 

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