Este site utiliza cookies. Ao continuar a navegar no nosso website está a consentir a utilização de cookies. Saiba mais

Cata-ventos: Jardins de encontros e reencontros

Costa Alves - 05/07/2018 - 10:10

Gosto deste jardim. Um lugar polvilhado de crianças e de pombos que abrem alas quando me aproximo. Um recanto folhoso, esverdeante, dentro de uma cidade; um lugar arborescente com plantas e flores que elogiam todas as cores. Com árvores que são casas que estendem abraços centenários rendilhados de sol. Um jardim de encontros e reencontros. Como diz Sophia de Mello Breyner, “Em todos os jardins hei-de florir,/ Em todos beberei a lua cheia”.
Um lugar com água; muita água a reger músicas de água correndo e saltando e ressaltando e navegando a brincar em regatos e com brilhos de ondas que não vêm de mar ou de rio, mas que os fazem lembrar. Um lugar com sons de folhas a falar umas com as outras tocadas pelas aragens que vêm da cidade. Um lugar do nosso ambiente climático.
As cidades precisam de jardins como este e a minha não os tem aconchegantes. Os mais recentes fogem para a periferia onde respiram desabitados. Em geral, não são para este clima - não se criam jardins em Castelo Branco como se estivessem em Viana do Castelo.
A minha cidade devia aprender o bê-a-bá deste jardim em que estou a escrever. Digamos que vigora a ideologia que sustentou a intervenção do programa Pólis: empedrar; empedrar extensamente, sem água, sem verdes que moderem os extremos do verão e do inverno, sem recantos que convidem. Dão para uma fotografia de longe, mas não para serem vividos e convividos. 
É uma ideologia de urbanização que gerou ermos, desencontros e inutilidades de longa duração. E (ainda) mais calor no verão e (ainda) mais frio no inverno. Reurbanizou transformando lugares de (quase) ninguém em lugares de (quase) ninguém – Parque da Cidade, Miradouro, Passeio, Devesa. Criou “docas” sem água para as alimentar e construiu um rinque de patinagem que não se envergonha de ser apenas um deserto. 
Estão agora a descaraterizar o abandonado e maltratado Barrocal. O que podia ser um geomonumento e um biolugar de diversidades naturais, uma espécie única de jardim botânico e arqueológico e geológico e hidrológico reconhecido pela UNESCO, passará a ser mais um parque urbano. Mais um.
Em tão pouco espaço, este jardim que vos descrevo tem tudo o que preciso para estar melhor comigo e com a cidade. Muitos bancos de madeira massajados pelo tempo, árvores com troncos que nem cinco pessoas podem abraçar, pessoas de todas as idades e crianças que juntam sons inconfundíveis aos chilreios dos pássaros que fazem ninho nas orelhas das árvores.
E há este coreto que avisto logo que pressinto o chamamento do jardim. Gosto da sua redondeza abraçante onde me sento com olhares e vistas para tudo e para o livro que tenho entre mãos e para as notas que vou tirando. Logo à noite, dois violinos, uma viola de arco e um violoncelo farão uma lareira de música à volta da qual nos sentaremos. Depois, virão violas (poderiam ser beiroas) e quem sabe se um grupo de saud(ad)osos alentejanos nos iluminará com seus cantes de vozes andantes. Terei de repetir que quem tem mandado na minha cidade não gosta de coretos?
Se querem uma sugestão de jardim, aqui a deixo. Um jardim com corpo e alma. Um jardim que nos deseja e convida. Gostava de ver a cidade assim a fervilhar sinceridade, liberta dos dogmas e frivolidades do que hoje está a dar e amanhã não. Uma cidade convivial, conversadora e não atomizadora; que goste de fazer cultura e não aprofunde solidões. Uma cidade que ajude a sentir, a pensar, a relacionar, a melhorar.
mcosta.alves@gmail.com

COMENTÁRIOS