Este site utiliza cookies. Ao continuar a navegar no nosso website está a consentir a utilização de cookies. Saiba mais

Cata-ventos: O castelo não precisa de antenas

Costa Alves - 18/05/2017 - 11:37

Nos anos de 1940-50, vamos subindo as ladeiras da infância banhados em terror. Duas enormes antenas estão cravadas na alcáçova do Castelo. A cidade tem um terço do tamanho de hoje e todos os anos um homem sobe e desce os degraus daquelas imensas gruas que parece quererem furar o céu. As mães sossegam os nossos pesadelos e garantem que, quando formos grandes, não seremos condenados, a fazer como o senhor que sobe os degraus daquele infindável esqueleto de vertigens para manter o equipamento de telecomunicações que se encontra no cimo. 
Um dia, as duas torres desaparecem das vistas e os nossos pesadelos ficam aliviados. O Castelo tinha-se libertado daqueles gigantes que se divisavam a grande distância. A ditadura imposta por aquelas estranhas garras tinha acabado. Mais tarde, imaginei que o Castelo tinha enviado um pré-aviso à cidade: as ditaduras também se abatem.
Os anos correm atrás dos anos e outras garras tomam o lugar daquelas. Outras antenas de telecomunicações voltam a fazer casa nas redondezas do Castelo. Mais brandas, mas ainda garras a arranhar a paisagem. Com luzinhas a tremelicar nas pontas de novas tecnologias mas continuando a ser desfiguradoras. Portugal assina, em 2000, a Convenção Europeia da Paisagem mas as antenas não querem que Castelo Branco tenha boas intenções para a paisagem.
Vejam que nem uma cegonha decide fazer ali o seu delicado ninho de palhas com que abençoa os simples. Nem nenhuma andorinha transporta para ali os seus barros de artista fantasista para construir os redondos azulejos do ninho. Não sei se por temor das antenas, se por respeito ao Castelo.
Amigos não-albicastrenses tentam envergonhar-me dizendo que a cidade não gosta do Castelo que lhe dá nome. Deve-lhe a individualidade, ainda por cima branca, a cor que, como nos provam as leis da Física, é a mais refletora da radiação solar incidente e, por isso, é a mais dadivosa e mais próxima da imaculação, se é que tal utopia pode existir. Mas, quem manda na cidade tem outros planos. Usa o Castelo como os floreados do marketing e despreza-o na vida de todos os dias. Com tal comportamento, só prova que não lhe tem amor. Nem à colina onde a cidade, intra-muralhas, fez a vida durante 600 anos.
Em 2002, garantiram que o Polis custearia a transferência destas antenas para um monte das redondezas. Como é da praxe, a promessa foi solene. Mas foi apenas promessa.
Cá por mim, julgo que o Castelo não é apenas um castelo. Muito menos um castelo de cartas ou claras em castelo. Tem o mais profundo da essência da cidade e  precisa que o deixem estar ali: leal e profético, sóbrio e reto. Com a sabedoria de séculos a orientar-nos na selva dos tempos de hoje e das coisas de somenos que fazem o fervilhar diário da cidade. O Castelo é a grande casa histórica da nossa memória albicastrense e, quase juro, é onde todos os castelos da memória que fomos construindo se hão-de juntar quando não lhe pudermos assistir.
Aceitem esta opinião: deixem o Castelo ser o que é. História e caminho de futuro. Em paz e connosco. Castelo e, claro, Branco. Sem ornamentos nem tormentos; sem outros interesses. Ponham as antenas em qualquer monte à volta. O Castelo não precisa de antenas para poder voar. 
Post Scriptum. Já agora, como as casas já não precisam das milhares de antenas que povoam os telhados da cidade, proponho uma campanha para a sua remoção. Seria uma bênção para os nossos olhos tão cansados de esperar. O Castelo também agradeceria. 
mcosta.alves@gmail.com

COMENTÁRIOS