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Cata-Ventos. Rua do Saco: O que é prioritário não é prioritário

Costa Alves - 23/03/2017 - 11:06

Se o leitor for do Tribunal de Castelo Branco pela Rua Mouzinho Magro, depois de passar a muralha e antes de chegar à Rua de Santa Maria, encontrará à sua direita a antiga Rua do Saco.

Quase ninguém dá por ela, mas já foi rua, muito antiga e com presença na história da cidade.

Ligava a Rua Mouzinho Magro ao belíssimo edifício onde hoje funciona o bar “Património” e dava caminho para o celeiro da Ordem de Cristo, já na Praça Velha (hoje Praça de Camões), em plena zona histórica. 

Cercada por um troço da muralha e, do lado fronteiro, por casas antigas com entradas principais na Rua de Santa Maria, a pequena Rua do Saco foi requalificada e reinaugurada em 2013, reconstituindo-se, pensava eu, a identidade de uma rua perdida. 

Alimento, desde então, o desejo de a percorrer, de me demorar, de respirar aquelas belíssimas árvores e a forma e cor dos seus frutos; o desejo de espojar-me no verde vivo da erva em que as árvores mergulham; o desejo de sentar-me nos bancos que parece esperarem por quem os queira como companhia.

E não resistir à tentação de subir os degraus de uma escadaria, que a história medieval construiu, para calcorrear o passadiço da muralha que o programa Polis prometera prolongar e não prolongou. 

Mas, não. Descendo os degraus para a realidade, apenas posso observar, mas não calcorrear, a antiga Rua do Saco.

É o que faço encostando a cabeça aos varões metálicos de dois portões que ali se perfilam, um de cada lado da ruazinha, vedando qualquer incursão de passeante e impedindo as imaginadas brincadeiras de crianças que morem nas redondezas.

Brincadeiras de crianças que teriam a cumplicidade das muitas árvores, bancos, recipientes para o lixo, ervas, parapeitos que por ali foram intencionalmente plantados e esperam; esperam inúteis e despovoados.

É como se estivéssemos perante um estabelecimento prisional.

Grades à entrada e grades a prolongarem-se à volta cravadas nos muros.

 Pergunta a criança que descobre a nudez do rei: requalifica-se uma rua que fica gradeada? E reinaugura-se uma rua que não deixam ser rua? Uma rua que há cerca de quatro anos está impedida, silenciada, aferrolhada? São perguntas, também, da criança que ainda quer viver dentro de mim.

Conseguindo furar o bloqueio com algum engenho da paciência, sento-me no passadiço da muralha e contemplo as casas ao abandono com entradas principais pela Rua de Santa Maria e traseiras para o belíssimo jardim em que a ruazinha se constituiu.

Recordo o que ouvi: pode ser perigoso estar ou passar ali. Que algo se pode desprender daquele abandono de janelas escancaradas, desenvidraçadas ou tapadas com cartões ou com o qualquer ferro velho do que não presta; ou de telhados que já não telham como devem e se mostram com cotos de traves em ruínas. 

Dizem mas, quem devia, nem de longe acena com informação que esclareça o que supomos ser perigoso, pois bem vejo as telas esverdeadas que anteparam o que se presume não ser de confiança, como se faz nas autoestradas ou a torto e a direito por essa(s) cidade(s) de tantas casas velhas (e até novas) arruinadas, despovoadas, abandonadas.

Quem devia não acena com informação sobre como compor a situação e dar rua à requalificada e reinaugurada rua. Isto é, garantir a finalidade do investimento de voltar a dar a liberdade à rua de ser rua. 

Assim sendo, teremos de esperar que as casas queiram vir abaixo pois, muitas demasiadas vezes, o que é prioritário não é prioritário.

 
mcosta.alves@gmail.com

 

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