Há cerca de 2 anos verificava-se intensa atividade junto à albufeira de Santa Águeda com abate de árvores de espécies autóctones, mobilização de terras e instalação de uma cerca balizando uma fileira de meia centena de palmeiras que, ironicamente, se recusavam a medrar, tão torturadas se encontravam.
Estas intervenções motivaram queixas de cidadãos e da Quercus que assinalavam violações do Plano de Ordenamento das Albufeiras de Santa Águeda e Pisco (POASAP).
Alertado, o Serviço de Proteção da Natureza e Ambiente da GNR identificou algumas e levantou autos de contraordenação. Como consequência, as palmeiras tiveram de ser abatidas mas implantaram uma outra cerca nos dois lados da estrada e que, ao longo de um quilómetro, impede o acesso à zona ribeirinha reservada de domínio público.
Depois de um período de hibernação, recomeçaram as movimentações de ainda mais terras, agora em toda a área entre a estrada e a albufeira e tornaram privativo um caminho público.
Onde o POASAP estipula favorecimento “de ações de beneficiação de carvalhais existentes e de arborização de novas áreas recorrendo às espécies autóctones”, a intervenção traduz-se numa área desertificada dentro das zonas reservada e de proteção da albufeira.
Entretanto, continuamos a não saber em concreto o que pretendem fazer na área devastada.
De entre uma nebulosa de hipóteses, surge agora, insistente, a instalação de um cerejal.
Tendo em consideração os meios vultuosos que a operação já assumiu, não é concebível um cerejal ali.
Um cerejal que respeite as determinações para uma área ambientalmente tão sensível em torno de uma albufeira cuja função principal é o abastecimento de água a muitas dezenas de milhares de pessoas.
Recordo que não podem ser utilizados produtos tóxicos ou com elevados teores de fósforo e azoto, pesticidas, adubos orgânicos ou químicos, tudo o que implique risco de contaminação ou de eutrofização da albufeira.
As instituições trabalham como trabalham.
Confessadamente, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) está limitada na sua avaliação pelo quase esvaziamento de capacidade de fiscalização e intervenção resultante da política de “menos Estado, melhor Estado” que conduziu a muito pior Estado.
Além das intervenções cívicas e da Quercus, só na semana passada estas preocupações subiram à Assembleia Municipal de Castelo Branco para recomendarem o empenhamento do executivo camarário.
Os Municípios têm competências circunscritas na gestão do POASAP e poderes de intervenção e influência que não exerceram.
Nomeadamente, a autarquia albicastrense, a principal interessada, mas também a do Fundão, que também partilha a albufeira, e as de Idanha-a-Nova e Vila Velha de Ródão que nela em parte se abastecem.
Além das dezenas de violações que a Quercus comprovou, há muitas faltas na albufeira.
Faltas de arborização, de limpeza, de informação e suportes de apoio a visitantes e a atividades permitidas; falta de avisos ou/e reabilitação dos poucos existentes; falta de promoção de atividades desportivas e de lazer; falta de um centro expositivo ambiental, histórico e cultural.
Faltam filosofia, projetos e realizações.
Custa assistir ao triunfo da economia e da estética de pato-bravo numa área que devia ser modelar dos pontos de vista ecológico, paisagístico e de atividades que podem ser fruídas numa zona tão bela.
Post Scriptum. O POASAP estipula a sua revisão ao fim de 10 anos de vigência; já passaram 15 meses. Valha-nos Santa Águeda!
mcosta.alves@gmail.com