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Cata-ventos: Ando muito distraído

Costa Alves - 07/06/2018 - 9:46

Assumo: ando muito distraído. Sou humano e, por causa dessa cada vez mais estranha condição, cometo lapsos. Erros? Só os do Camões: “Erros meus, má fortuna, amor ardente/ Em minha perdição se conjuraram”. Vá lá, pecados sem importância; errozinhos. Não fui pela passadeira e ia sendo atropelado, esqueci-me de pagar o café e não consegui dormir. E este que já tem uns dias: andei pelos “Sabores de Perdição” e pensei que não estava cá; vi-me cercado de espanhóis a vitoriarem a minha terra na Praça Maior de Salamanca, enquanto eu mercadejava enchidos e queijos e azeite e mel e bordados (de Castelo Branco) e presépios e Santos Antónios que ajudam a encontrar o que os distraídos (como eu) não conseguem.
Confesso que há dias em que julgo que já não sou deste mundo! Ai que me esqueci de validar a declaração de IRS! Ai que não renovei a carta de condução! Ai que me esqueci de pagar a renda da casa! Ai que aquele pardal passa por mim e já não liga às minhas migalhas! Ai que não posso esquecer-me de voltar a ler a “Cantiga dos Ais” do Armindo Mendes de Carvalho!
Vejam lá, há dias fui a Vila Velha de Ródão e esqueci-me de agradecer ao ministro do Ambiente e à Celtejo o que andam a fazer ao Tejo e à área protegida das Portas de Ródão. Mais uma imperdoável distração. A gente também deve agradecer o mal que fazem, n’é? Por mais distraídos que andemos, devemos sempre curvar-nos aos que pairam por em cima.
Também confesso que não me lembrei de que fui ministro do Salgado Espírito Santo e dos Vistos Gold. Mas, atenção, passados uns meses, quando reparei - eu que até tinha as leis empilhadas na cabeça - fui imediatamente a correr e tramei a distração. Quer-se dizer, disfarcei-a, meti-lhe os pés pelas mãos e ficou tudo explicadinho - ou não seria eu o advogado não-distraído que também sou. Se os papéis do Panamá servem a rainha de Inglaterra, não haveriam de me safar das enrascadas em que a distração me mete? Que raio, com tantos afazeres, algum ficará para trás! Mas, na véspera de ser ministro, ainda me sobrou tempo para enriquecer o país com mais uma empresa. Gosto tanto do meu país…
Na verdade, já não me lembro se estava no governo quando privatizaram os CTT e as eletricidades. Também já me confundo sobre onde estava quando aconteceu aquilo aos do BPN e do BPP e do BANIF e do … ai a minha memória! Distração, pura distração - que eu não confundo negócios com políticas pois, na maior parte dos muitos casos, até vivem nas mesmas casas. 
Acho que, nessa altura, estava em Espanha e trabalhava para o partido do Rajoy. É que os submarinos dos espanhóis são muito maiores e eles ainda se distraem mais do que nós. Convenhamos, o deus dinheiro também tem esse direito. Quem nunca se espreguiçou ao colo da distração que levante um dedo! Perguntem ao Pilatos.
Aqui para nós que ninguém nos ouve: quando ando distraído, não ando todo distraído. Ando para umas coisas e não para outras. Digamos que ando distraído para o que interessa. E quando sou ministro ou banqueiro ou secretário de Estado ou administrador ou deputado ou acionista ou presidente da Câmara ou advogado à grande e à francesa (e à chinesa e à americana) com tanto que fazer, tenho direito à minha distraçãozinha. Mas, com cuidado! É que, apesar de tudo, a distração anda sempre por aí a ver se nos trama. 
Não há de ser nada. Quando não ando distraído, a vida é uma pasmaceira. 
(Não sei o que se passa hoje comigo; tenho as distrações todas baralhadas. Valha-me Santa Engrácia!)
mcosta.alves@gmail.com

 

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