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Cata ventos: Curtos circuitos à volta do Tejo

Costa Alves - 10/05/2018 - 9:27

FLORES DA BARROCA DA SENHORA. Tive a má formação botânica que no meu tempo a escola dava (não sei como será hoje). Mas gostava que o(a) leitor(a) tivesse participado no levantamento guiado que a especialista Sílvia Ribeiro nos fez, neste 25 de abril, do universo florístico do terreno que o Governo vai “enlamear” dentro da área protegida do Monumento Natural das Portas de Ródão. 
Se for lá agora, depara-se com o estaleiro que prepara uma agressão mas, mesmo assim, olha à volta e fica com a vista arranhada pelas cicatrizes deixadas pelo grande incêndio de julho do ano passado. Desde a Porta da margem esquerda saltando para a da margem fronteira, e subindo para a torre do rei Wamba, e continuando a deslizar o olhar até onde a vista alcança, só vê cicatrizes. Mas, ali, na Barroca da Senhora, o fogo não quis entrar. É um rincão acima de qualquer adjetivo. 
O ministro do Ambiente chamou-lhe “areal” e apetece-me devolver-lhe, com uma irrespeitosa vénia, o monstro de excrementações que decidiu despejar ali e que aguarda decisão sobre a providência cautelar movida pela associação ambientalista “Zero”. Pois bem, a diversidade florística que a biofísica Sílvia Ribeiro nos descreveu e fundamentou cientificamente (em devida hora, enviada – para nada - ao ministro) vai ser queimada por um flagelo incendiado e atiçado pelas mãos do Governo e pelo gatilho de um ministro que dizem ser do Ambiente, e não é. Veremos se a Justiça sabe defender o ambiente. Já sei que o inacreditável não existe há muito.
COMUNICAÇÃO SOCIAL. Quando o ministro do Ambiente fala, só fala o ministro do Ambiente. Pode deformar, pode falar incompetentemente, até do que não sabe, mas a Comunicação Social estende-lhe o microfone como se ajoelhasse perante o decreto de um anúncio. Quando o ministro do Ambiente fala não se pode ouvir nem uma abelha. Quando falam as associações ambientalistas ou a proprietária do terreno onde o Governo vai colocar as lamas das celulósicas, o registo é outro. Trazem sempre na lapela as palavras ministeriais. Pobre democracia pobre. 
TEJO DA POESIA. Escrevia António Gedeão: “Havia no meu tempo um rio chamado Tejo” que “só um espelho com isso se parecia.” Pois havia e muitos recordam-no. Era, na escrita de Herberto Hélder, “o chamado rio tejo pelo amor dentro”. Era “como se o tejo fosse o ar./ Como se o tejo fosse o interior da terra./ O interior da existência de um homem.” Era “com a cara encostada à água amarela das flores.” 
Mesmo na Lisboa que ainda não defende o Tejo, Sophia de Mello Breyner garante que, “ali e além em Lisboa - quando vamos/ com pressa ou distraídos pelas ruas”, ao avistá-lo, “então se tornam/ leve o nosso corpo e a alma alada.” 
Molhando nele as mãos da sua poesia, Alexandre O’Neill, que cantou as suas gaivotas, fala com o rio e garante-lhe: “Não, Tejo, não és tu que em mim te vês,/ - sou eu que em ti me vejo!” 
Com a poesia que tão bem sabe cantar, Adriano Correia de Oliveira transporta a súplica de Manuel da Fonseca: “Tejo que levas as águas/ Correndo de par em par/ Lava a cidade de mágoas/ Leva as mágoas para o mar”, conhecendo bem a causa do que hoje, no Tejo, nos dói: “Lava bancos e empresas/ Dos comedores de dinheiro”. 
Fazendo o balanço destes dois anos e meio, pensando no todo do Tejo, que contém Almaraz e Almonda, pensando na albufeira da Marateca, no Liz, Nabão, etc, etc, tenho de concluir que a humanidade do ministro não é a minha. Será outra - aquela contra a qual a voz do Adriano se levantou.
mcosta.alves@gmail.com

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