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Cata-ventos: Defender a Albufeira de Santa Águeda

Costa Alves - 06/04/2017 - 10:51

Nem o diabo se atreveria a implantar um cerejal desde a linha de água até aos 500 metros da zona de proteção de uma albufeira que abastece de água dezenas de milhares de pessoas. Nem o diabo acreditaria que, fora dali, não há mais terra para cultivar um pomar. Não conheço pessoalmente o diabo, mas tenho observado que muitos dos seus corsários andam à solta. 
Nunca me passou pela cabeça estar a denunciar neste Cata-Ventos, durante mais de dois anos, o que está a acontecer a esta albufeira depois do abate de espécies arbóreas autóctones (entre elas, carvalhos centenários), de movimentações de terras, de muros interditos a serem substituídos por vedações metálicas, de profundas e extensas alterações na paisagem. Tudo por um pomar que devia ser plantado noutro lugar. 
Quem aprovou não viu lei que se opusesse e acreditou no inacreditável. Que se pode plantar um cerejal com esta dimensão sem usar fertilizantes químicos e orgânicos, herbicidas e pesticidas. Quem aprovou fica à espera do facto consumado prevaricador para se curvar perante ele. Aconteceu assim com o abate dos carvalhos. Perante o facto consumado, quem aprovou diz, sem contrição, “agora não há nada a fazer”. Mas, quem aprovou ficou obrigado a intensificar a vigilância para que o interdito não ocorra novamente, embora se reconheça que não tem estruturas nem quadros técnicos para a fazer. 
Como seria de esperar, os corsários do diabo não dormem, mas deixam rasto. Excrementos parece irromperem da terra ante os olhares incrédulos das sete pessoas que já tinham avistado um monte de estrume de reserva. Noutro dia, os corsários deixaram o rasto visualizado de trabalhadores paramentados para espalhar um líquido ainda incógnito naquele deserto povoado de pequenas hastes que hão de despontar como cerejeiras. Se estas suspeitas se confirmarem, todos sabemos o que poderá acontecer à qualidade da água.  Isto acontece sem respeito pela zona de proteção parcial de 500 metros e, também, nos 50 metros de proteção total. Em quase todo o perímetro da albufeira, esta zona está a tornar-se inacessível ao passeante que queira fruir a beleza da albufeira ou atingir as zonas demarcadas de pesca e de embarcações autorizadas pelo Plano de Ordenamento. 
Se o leitor der uma volta a todo o perímetro da albufeira, circulando nas estradas municipais, verá que foram bloqueando com vedações metálicas muitos caminhos e estradas secundárias que antes eram utilizados para atingir a linha de água. Quem aprova (que é também quem não fiscaliza), não aceita que se exija a compatibilização do interesse privado com o interesse público, equilibrando os dois ramos da equação. Opta sempre pelo menosprezo do interesse público.
O drama da albufeira de Santa Águeda é um exemplo caricato desta opção. O que devia ser uma albufeira bem cuidada e bem defendida para o desempenho da sua função principal de abastecedora de água com qualidade (como tem sido), está agora a ser sujeita a riscos que a poderão desfigurar. Devia ser, também, um local bem cuidado e defendido para a fruição das suas belezas numa zona carecida de espelhos de água tão extensos. Fruição que o Plano de Ordenamento aceita e subentende como bem-vinda, assim haja o cuidado de a disciplinar e sustentar com estruturas.
As águas desta albufeira são do rio Ocresa, afluente do Tejo. Não me esqueço das loucuras que continuam a fazer-se no Tejo e há razões para temer que também as estejam a fazer aqui.
mcosta.alves@gmail.com

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