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Cata-Ventos: Em louvor da alfarrobeira

Costa Alves - 28/04/2016 - 15:20

Não sei se o leitor já comeu alfarroba. Na minha infância, o que era um bom almoço para os cavalos do Regimento de Cavalaria também era um consolo para alimentar energias nas nossas brincadeiras. Em tempo de tantas carências, roíamos aquela vagem seca como se fosse o melhor dos chocolates.

Fazíamos a vida onde os miúdos não a podem fazer hoje: na rua. Com aventuras acesas entre a fábrica dos pirolitos “Castraleuca” - na altura, é por ali a entrada da cidade para quem vem de Lisboa - a rua de Santiago e a atual avenida Primeiro de Maio onde acampavam os circos que frequentemente nos visitavam e recebiam quase toda a cidade que, nos anos de 1950, é uma aldeia grande.

            Nunca mais comi alfarroba. Ainda antes de começarem a rarear muitas das frutas que vinham das aldeias à volta, a alfarroba deixou de nos chegar. Não sei se existiam alfarrobeiras por aqui ou se era o Algarve que nos enviava os seus frutos.

            O tempo voou por (e para) outros horizontes; esquecemo-las e é como se tivessem deixado de existir. No entanto, a antiguidade mais remota das zonas de clima mediterrânico conhece esta árvore que precisa de dezenas de anos para gerar frutos que até dão como vantagem poderem ficar pendurados durante anos. Durante os períodos de fome, eram a salvação de animais e um alívio para os limitados recursos dos agricultores.

"O fruto da alfarrobeira é como o porco: tudo pode ser aproveitado"

Contraditoriamente, a exemplo de outras árvores autóctones, estas caraterísticas explicam o seu desaparecimento nas sociedades que já não têm olhos que alcancem o depois de amanhã. Apesar de conseguirem viver saudavelmente em regiões com menos de 250 l/m2 de precipitação anual.

O fruto da alfarrobeira é como o porco: tudo pode ser aproveitado. A excelência vem-lhe da semente de que se extrai a goma, constituída por hidratos de carbono que possuem uma elevada qualidade como espessante, estabilizante, emulsionante e múltiplas utilizações nas indústrias alimentar, farmacêutica, têxtil e cosmética. Mas, a semente representa apenas 10% da vagem e a polpa é utilizada na alimentação animal e, devido ao seu sabor e características bioquímicas, pode ter muitas aplicações culinárias.

Atualmente, há projetos que indiciam a pretensão de estabelecer uma estratégia, com sustentação científica, de valorização da polpa de alfarroba em várias aplicações, incluindo a produção de fármacos que visam reduzir o colesterol e combater o cancro.

No poema “Em Louvor da Alfarrobeira”, inserido no livro de “Natural do Algarve”, Leonel Neves, meteorologista e grande autor de poemas e histórias para jovens, explica por que elege a alfarrobeira, entre as suas “árvores de amar”; antes da amendoeira e da figueira.

Sobre a amendoeira, diz: “trouxe o inverno pássaros de neve/ que acharam no Algarve a Primavera,/ e deles a amendoeira fez um véu”. A pobre da figueira “embala a fome aos donos e a todos/ - pássaros, vagabundos e meninos” mas, “no inverno já ninguém a ama,/ e atira ao vento os braços desprezados,/ como uma mãe que chama/ moços mortos no mar ou emigrados...”

A alfarrobeira, não. “Séria, quieta,/ mal se vê, não se despe nem se perde:/ concebe os frutos, íntima e discreta,/ no silêncio da sua copa verde.” E oferece-nos “pão de mula, com lágrimas lá dentro”. “Sementes de alfarroba que o Algarve exporta/ e que depois importa/ como tinta, como cola./ Tinta para um cartaz com amendoeiras,/ cola de caixa com figuinhos lampos.”

Talvez não seja má ideia povoar com alfarrobeiras as áreas mais propícias desta nossa Beira.

mcosta.alves@gmail.com

 

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