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Cata-ventos: Frases que andam por aí

Costa Alves - 15/02/2018 - 9:30

Em 1979, um (péssimo) tradutor transformou o título do filme “The China Syndrome”, em “O Sindroma da China” e passámos a ter “sindromas” no género masculino onde as síndromes, ou síndromas (as duas formas são aceites), são do feminino. Além disso, duplo erro, transferiu a tonicidade do vocábulo de esdrúxula para grave. Como o filme foi um sucesso financeiro (não digo “best seller”), ficámos reféns de uma designação ignorante canalizada pelos meios de comunicação.
É tremenda a sua influência e não notamos que muitas vezes falamos pela boca de quem não tem competência para nos servir de guia. Se reagimos, “ficamos mal na fotografia”, como as televisões também mandaram que passássemos a dizer. E não se pode ficar mal na fotografia tirada por esta sociedade que nos quer prisioneiros da imagem. Realmente, “nesta altura do campeonato”, como também querem que digamos, não podemos falhar nesse pormenor. 
O que “está em cima da mesa”, também insistem em propalar, é para onde devemos olhar. Mesmo que, por baixo e por cima da mesa, passem os rios dos grandes problemas não resolvidos. E mesmo que o campeonato só tenha guerras à vista. É de uma ironia frustrante garantir que “estão criadas as condições” (mais uma frase-feita a saltar do disco) para resolver o que deve ser resolvido e tal não acontecer. Somos assim: muita parra, pouca uva. Muitas palavras, pouco sumo; muitas opiniões, pouco saber. Muito “Maria vai com as outras” com o idioma em último lugar.
Ainda mais frustrante é que já não nos satisfazemos com os núcleos de saber existentes ou que possamos criar. Ou são “núcleos duros” ou não têm estofo para serem núcleos, quanto mais para serem o miolo, parte central, âmago, essência. Ao núcleo não lhe basta ser núcleo. Tem de ser “duro”, pronto! (Devia dizer “prontos”, n’é?) Convenhamos: não é um pleonasmo; é um abuso que não querem corrigir. A televisão não gosta de se corrigir.
Outra que me faz espécie é a do “leitor compulsivo”. Agora exibem menos esse emblema na lapela; talvez a moda esteja a amolecer. Perguntamos: ler o quê? E para quê? Numa civilização tão ciosa de imagem e tão devoradora de imagens, os leitores propriamente ditos diminuem a olhos vistos. A tendência é para serem apenas os ditos “compulsivos” e a maioria crescente deixar de ser leitora. Leitora que se deleita sensível e reflexiva ante a beleza criadora de um texto, é espécie em extinção. Os “compulsivos”, esses, exibem-se como se tivessem uma grande qualidade. Enfim, já não sabemos que inventar para mostrar boas imagens aos olhos do espelho que passa.
Outra das frases feitas que por aí campeiam é “assumir as responsabilidades”. Sem recato, a torto e a direito e sem noção da importância do que significa, exigimos: “assumam as vossas responsabilidades!” Ao governo, ao banqueiro, ao parlamentar, ao autarca, ao juiz, ao procurador da República, até ao dono do cão que polvilha a rua de excrementos. Porque eu, pá!, eu assumo sempre as minhas responsabilidades! Acabamos de o dizer e ficamos aliviados com tal desabafo. E… nada acontece.
É claro que, quando a assunção de responsabilidades sobe de nível e exigência, a coisa fia mais fino e pouco podemos esperar. Pensem na poluição do Tejo. Entre poluidores e Estado, venha o diabo e escolha os dois: quem polui anos e anos e quem permite ou/e fecha os olhos. Na verdade, não querem passar a fronteira e entrar num país onde as responsabilidades são inequivocamente assumidas e apuradas.

mcosta.alves@gmail.com

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