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Cata-Ventos: Querem fechar as Portas de Ródão

Costa Alves - 12/04/2018 - 9:54

Vila Velha de Ródão é uma terra abençoada. Peixe à mão de semear na beirinha do rio, olhar lavado a vaguear por geografias inspiradoras, casario subindo uma encosta sempre de olhos postos num monumento natural que abre as suas portas para que o rio prossiga até se oferecer ao oceano. Lá bem alto, numa crista quartzítica da Serra das Talhadas, saboreando a beleza à sua volta, uma torre que, lendariamente, o rei Wamba ali terá estampado. Terra “abensonhada”, diria Mia Couto.
Quem hoje a vê ou a vive sem entorpecimentos, sente-a amaldiçoada. As cinzas descem encostas em que o fogo do dragão vorazmente pastoreou. Cinzas que se agitam no ar pedindo que não respiremos. Cinzas na água onde peixes e pescadores já não podem soletrar que há saúde para dar. 
Vila Velha de Ródão (e não só, como sabemos) foi espezinhada por cinzas que, vezes sem conta e das mais diversas maneiras, nos magoam. Cinzas despejadas no rio por celulósicas avidezes de dividendos, cinzas de bagaceiras efluências aéreas, cinzas de tratamentos de residuais que não tratam tudo o que devem, cinzas de labaredas do tal monstro devorador de florestas. 
Assim quiseram os humanos desumanos. Os humanos desumanos que adoram o deus dinheiro e produzem pestilências que vêm das entranhas do mal fazer. De governos centrais e locais, tribunais e empresas.
Em maio de 2009, quis o Estado Português honrar (mui dignamente) aquela extraordinária “ocorrência geológica e geomorfológica”, que parece querer levar o rio ao colo, classificando-a como Monumento Natural das Portas de Ródão e regulamentando a sua proteção e da área envolvente. Alguns dos objetivos traçados pelo Decreto Regulamentar nº7/2009: preservação das espécies e dos habitats naturais da área; proteção e a valorização da paisagem; manutenção da integridade do monumento e área adjacente. Para que sejam atingidos, a lei interdita, entre outras, a alteração da morfologia do solo e do coberto vegetal e a deposição ou vazamento de resíduos. Repito para que nenhuma sombra de dúvida se interponha: é proibida a deposição de resíduos. 
Contra a lei a que está subordinado e contra a vontade da proprietária, o Governo decidiu considerar de interesse público um terreno situado dentro da área abrangida por estas interdições e cativá-lo para depósito dos resíduos expelidos para o fundo do Tejo pelas atividades que, só quando explodiram como vulcões de espumas, o Governo percebeu que a desgraça do Tejo podia desaguar na sua casa. O mesmo vulcão de espumas que, ainda há pouco, viu um juiz reduzir a multa de 12 500 euros para 6 000 e substituí-la por uma caridosa repreensão.
Pois bem, o Governo decidiu que o terreno era aquele; não um terreno “para lá dos maninhos onde não haja mulher com meninos, nem vaca com bezerrinho, nem eira nem beira, nem folha de figueira, nem coisa que Nosso Senhor queira”, como reza a oração a S. Gregório contra as trovoadas. Não. Não quiseram gastar dinheiro com essas miudezas. Nem ponderaram sequer depositar tais excrementações num terreno da autarquia e, muito menos, num que pertencesse aos diretos (diletos?) prevaricadores. Não. Ali, dentro da área protegida é que vai ser e para isso, inutilmente, tentaram comprar a (inabalável) consciência ambiental da proprietária. E, ainda por cima, querem fazê-lo utilizando técnicas e tecnologias que os especialistas independentes contestam. É demasiado muito feio o que fizeram e continuam a fazer de Vila Velha de Ródão.

mcosta.alves@gmail.com

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