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Cata-Ventos: Viriato e os equívocos da Lusofonia

Costa Alves - 21/06/2018 - 9:26

É no decorrer da Segunda Guerra Púnica, entre 208 e 201 aC, que se consuma a conquista da Península Ibérica pelos romanos. A guerra contra a ocupação romana tem altos e baixos e, no ano de 139 aC, Viriato é vítima de traição; 67 anos depois, o mesmo acontecerá a Sertório, um general romano proscrito e que oito anos antes tinha aceitado a proposta dos Lusitanos para os comandar na luta de 120 anos contra a ocupação do seu território. Os dois heróis são-me incrustados, do bivaque às meias, como mitos do nacionalismo salazarista. 
Viriato é aquele que foi investido com as vírias, grandes argolas de metal com que os lusitanos guarnecem o braço ou ornamentam a perna, possivelmente a distinção da mais alta função em que é entronizado por “pastores honrados na tribo e piratas temíveis na terra alheia”, como escreve Aquilino Ribeiro. Comandados por ele, quando já dão sinais de soçobrar à ocupação, os Lusitanos saqueiam e dizimam as tribos que obedecem a Roma e batem nas tropas de vários pretores e procônsules constituídas para os desbaratar. Ora, a colonização romana é como todas as colonizações: divide para reinar sobre e entre as etnias, arrasa, faz armistícios e viola-os. Consegue finalmente “que a Lusitânia o seguisse no passo fatal, riscada do número dos povos livres.”
Os ecos das sublevações lusitanas contra o ocupante não desempenharam nenhuma função emblemática na rutura de Afonso Henriques com a mãe e com Castela pela independência e na expansão contra os mouros. Realmente, a individualização na área linguística galaico-portuguesa da cultura portucalense, que nos lançou para o território histórico-cultural de hoje, nasce de um corte violento com a mãe. Quando a condessa D. Teresa amaldiçoa tal filho, perdemos a mátria dos seus venais descaminhos para encontrarmos a pátria que nos vai trazer aqui. 
Mesmo que estivesse provado que tais ecos tivessem estimulado a épica fundacional da nacionalidade, tal não autorizaria que concluíssemos estar em presença de uma linha de prolongamento ou de afinidade histórico-cultural entre lusitanos e portugueses. Muito menos estaríamos autorizados a introduzir, nos países de língua oficial portuguesa, um outro referente simbólico sem ligação com a sua origem nacional nem com a língua que aceitaram como oficial em presença de várias línguas maternas nascidas noutras geografias. Aceitando as consequências idiomáticas e culturais da colonização portuguesa que determinou a criação dos seus países, não podem ser sobrecarregados com esse equívoco. 
O pretenso referencial lusíada, que oficialmente nos individualiza, não possui atributos para dar consistência genealógica à raiz portucalense nem à realidade histórica portuguesa. A glorificação da lusitaneidade terá de ser interpretada como reação à romanização e, obviamente, à matriz cristã e à latinidade do nosso falar. Portanto, contra quem nos tornámos; da lusitaneidade quase nada herdámos.
Com este equívoco a adejar sobre a nossa identidade, acabamos por não nos rever nas origens portucalenses que realmente a fizeram, mas em pretensas raízes para lá do nevoeiro de uma História que fomos pintando dentro do nevoeiro.
Mesmo que contra o poema da nossa História, terei de afrontar a nossa não-lusíada condição “lusíada”, afinal um dos grandes equívocos que nunca quisemos esclarecer. Além do mais, não posso esquecer-me de mim, “lusito” com calções castanhos e camisa verde, cantando e rindo hossanas a Salazar. 
mcosta.alves@gmail.com

 

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