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As mil e uma faces de Fátima

Florentino Beirão - 23/03/2017 - 11:05

A cerca de dois meses das solenes comemorações do fenómeno das aparições de Fátima, tudo se prepara para que nada falte nesse dia festivo. Com a presença do popular Papa Francisco - o 4.º papa em Fátima - peregrino entre os peregrinos, de vários chefes de Estado convidados pelo sempre irrequieto Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, tudo se conjuga para ser um acontecimento político – religioso de alto- relevo nacional e internacional.
Artigos de revista, jornais, livros, para quem tenha estado atento, não têm faltado para, antecipadamente, se ir preparando o dia 12 e 13 de maio na Cova da Iria.
A nível da movimentação de massas - o turismo religioso - encontra-se em alta. As espectativas não podiam ser melhores. Oito mil milhões de visitantes assegurados. Hotéis há muito esgotados. Autocarros já todos alugados. Mais quatro modernos hotéis construídos. Controlo de fronteiras. Segurança reforçada com milhares de agentes. Milhões já gastos para melhorar as infraestruturas de Fátima. Um sem número de câmaras de vigilância.
Mas, com um Papa tão afetivo e amigo do povo fiel, todos os cuidados são poucos. O protocolo poderá certamente, ser alterado pelo Sumo Pontífice.
O fenómeno das aparições - de mil e uma faces - e o seu posterior desenvolvimento, em contínua construção, continuará a ser polémico e multifacetado. Há quem nele acredite. Quem não lhe dê crédito. Quem tenha dúvidas. Mesmo para os católicos, não sendo dogma de fé, há total liberdade de se aceitar ou não. Seja como for, ao longo destes cem anos, Fátima tornou-se tão marcante na nossa história recente, com tantas implicações religiosas, políticas, sociais e de mentalidades, que ninguém poderá ficar indiferente.
Será dentro desta perspetiva que tentaremos contribuir, em próximas abordagens, com algumas breves reflexões, a nível histórico, político – social e religioso, sobre o nascimento e construção do incontornável fenómeno. Numa primeira incursão ao tema, tentaremos contextualizar o fenómeno de Fátima nos seus antecedentes, a partir da revolução da República, ocorrida em 05.10.1910. Saídos de uma monarquia sem soluções políticas, com um enorme défice financeiro, campeando nela a corrupção, existindo um poderosos e tentacular poder da Igreja na sociedade, com escândalos atrás de escândalos financeiros na sociedade, aparecia agora um regime republicano com idealistas promessas de transformar Portugal numa Pátria moderna, iluminada, laicizada, jacobina, impondo, ideologicamente os princípios da Revolução e da República Francesa – liberdade, igualdade e fraternidade – bebidos no Iluminismo do séc. XVIII.
Para conseguir tais propósitos, logo que foi instaurado o novo regime, uma das primeiras medidas a serem adotadas em Abril de 1911, foi a célebre lei da Separação da Igreja do Estado assinada pelo maçónico Afonso Costa, ministro da Justiça. Estavam criadas todas as condições para estalar uma violenta “guerra religiosa”.
O confronto com a Igreja estava lançado. Deste modo, o clero tornava-se o alvo estratégico preferencial, o bode expiatório, para se lhe serem imputados todos os males da Pátria. Com cerca de 90% de católicos no país, o desafio, perante a opinião pública, era muito desproporcionado nesta guerrilha, pela conquista e manutenção do poder.
O grande objetivo republicano consistia agora em retirar ao clero as redes políticas regionais, onde imperava o seu poder, e colocar no seu lugar administradores políticos anticlericais maçónicos, com total fidelidade aos novos senhores. A secularização do casamento e a legalização do divórcio foram outras tantas machadadas nas práticas religiosas do país. Na mesma linha, legislou-se contra os ancestrais costumes, secularizando-se os cemitérios, abolindo-se os feriados religiosos e as procissões fora da igreja. Os próprios bispos seriam afastados das suas dioceses, se criticassem o novo poder. Não esquecendo ainda a expulsão desastrosa dos jesuítas, os grandes obreiros e promotores da educação no país.
Um pequeno grupo de “iluminados “ revolucionários urbanos queriam com estas medidas impor a uma população rural católica e analfabeta, rapidamente e em força, a sua ideologia, contrária os seus ancestrais costumes sociais e religiosos. Perante este vendaval, até alguns republicanos mais moderados, como Manuel de Arriaga, levantaram a sua voz para acalmar os seus correligionários mais radicais, mas sem grandes resultados. É que a “formiga branca”, grupos extremistas, continuavam a desenvolver a sua forte oposição aos católicos.
florentinobeirao@hotmail.com  

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