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Debita Nostra LXVI

Luís Costa - 20/07/2017 - 11:42

(Robert Reich) “defende-o (políticas distributivas) muitas vezes de modo mais radical do que os sociais-democratas europeus. Mas é bastante distante da esquerda anticapitalista, porque defende a economia de mercado como essencial à democracia. De facto, se o capitalismo tem sobrevivido em todo o tipo de regimes políticos, a democracia tem florescido sobretudo em economias de mercado.” (M. de Lurdes Rodrigues, Diário de Notícias, 10 de maio de 2017).

Aqui chegados, convém sintetizar. O chamado ‘modelo social europeu’, talvez o mais avançado estádio de equilíbrio social até hoje conhecido, em nada é tributário da conceção liberal, apesar das potencialidades desta em termos de crescimento económico. 

E se a sua consolidação’ não se fez sem os contributos de uma reforçada organização sindical, com que o mundo do trabalho respondeu à contumaz insensibilidade social do liberalismo, a sua inspiração imediata radica em dois grandes polos: o keynesiano ‘Plano Beveridge’ e os bismarckianos ‘seguros sociais obrigatórios’.

Ora, se o primeiro assenta num deliberado desenho económico, cujo objetivo é o de responder às recorrentes crises da acumulação capitalista, os segundos nasceram num contexto conservador de influência aristocrática (Junkers) e antirrevolucionária. A sua ascendência pré-capitalista não os ajeitou à formulação de um modelo económico explícito, embora o seu desenvolvimento tenha vindo a desembocar no que hoje se designa por ‘economia social de mercado’. 

Porém, a própria necessidade de juntar estes dois termos acaba por revelar uma disjunção conceptual que não pode ser indiferente à sua permeabilidade perante uma geral retoma do hegemonismo liberal (ordoliberalismo). Desde logo, porque o termo mercado, referindo-se a uma tão remota quanto politicamente controversa realidade, gera alguns equívocos, daqueles de que, com frequência, se serve a reciproca sobrevivência dos opostos. 

E não é só o da referida confusão entre capitalismo e economia de mercado que, aliás, vem amalgamar muitas descoincidências políticas e históricas. Já quando Adam Smith disponibilizava um suporte teórico ao moderno capitalismo, fê-lo atribuindo ao dinheiro um caráter meramente instrumental. E, alheio às relações de poder, concebendo a célebre ‘mão invisível’ como algo que funcionava nas supostas trocas entre equivalentes (DEBITA NOSTRA XXXIX, XL e XLI) a que chamava mercado. 

É também o equívoco que ignora a minuciosa descrição de F. Braudel (Civilisation matérielle, économie et capitalisme, 1979). A que o leva a afirmar serem os mercados formas de usar o dinheiro para trocar bens, enquanto capitalismo é uma forma de usar o dinheiro para fazer mais dinheiro. Equívoco este que tão bem negligencia aquela clássica distinção entre bem e moeda e acaba por absolver o mais recente regabofe dos ditos mercados financeiros.

Que a ‘economia social de mercado’ tenha desde cedo conciliado uma tradição conservadora, e as suas preocupações sociais, com uma ortodoxa renovação liberal, não surpreende. Surpreendente, talvez, é a mais compassada rendição das correntes políticas que se inspiravam no keynesianismo…

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