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Crónica: Debita Nostra LXXX

Luís Costa - 08/02/2018 - 9:37

De facto, como argumentou Robert Frank, a identidade europeia precedeu largamente as identidades nacionais (…). ‘Apesar da sua idade’, continua Frank, ‘a identidade europeia permanece elitista e de caráter cultural, enquanto as identidades nacionais, igualmente nascidas de especificidades culturais, adquirem já uma dimensão política’.” (Tradução livre de Lorenzo Mechi, 2010, “Formation of a European Society? Exploring Social and Cultural Dimensions).
Comecemos então pelo princípio. Segundo a mitologia, foi a jovem e esbelta Europa assediada por um lascivo Zeus que, não conseguindo resistir aos seus encantos, se disfarçou de touro manso e a conduziu, mar a dentro, com a sua mal disfarçada cumplicidade. Só que os mitos fundadores não se formam por coisa pouca, nem se nomeia aquilo que se não reconhece.
Pode remontar ao Olimpo o elitismo da ideia europeia, ou o segredo dos deuses em que tantas vezes o seu destino se traça. Ninguém pode é negar-lhe uma provecta identidade que fez dela aquilo que é, tão antes de tudo o mais que ainda haveria de ser.
Foram séculos de império romano, por onde marchavam as legiões, se instituíam as traves-mestras do Direito e se insurgia um mais subtil helenismo. E foram muitos mais séculos de cristandade, de recobro da mesma língua franca, por onde peregrinavam devotos, circulavam eruditos e as universidades se entendiam, dispensando o uniforme de Bolonha. 
Como contraponto, apenas as identidades locais, arrimadas à tradição popular, mergulhadas num universo circunscrito às linhas do horizonte e afirmadas no confronto com os vizinhos que se aplacava na afinidade dos casamentos e se avivava na traulitada dos arraiais. 
A mesma demarcação que ainda encontramos em meados do século XX, no litígio que tantas vezes afastava a festa canónica da religiosidade popular, quase sempre eivada do ancestral paganismo com que os habitantes do “pagus” (aldeia) rememoravam uma identidade que se esvaía. E já bastante depois de o romantismo ter procurado angariar (séc. XIX), na mesma substância popular, o decisivo esteio de bem mais serôdias nacionalidades.
Estas vinham, desde o séc. XIV, afeiçoando-se, muitas vezes a pulso, a novos centros e escalas de decisão (poder). Por um lado, com a progressiva uniformização que normalizava a administração, impunha a justiça e justificava os impostos, no abraço político a um mais amplo território. Por outro, num elam de autonomia, que também haveria de inspirar a rutura, não apenas religiosa, entre um norte e um sul europeus (séc. XVI), escavando mais entrincheiradas fronteiras. 
Difícil é imaginá-las como fruto do não elitismo e superiores aos interesses em presença. Apesar da sua atual consolidação, ou mesmo naturalização, política e de uma legitimação democrática que merecia ser mais bem respeitada.
Resta saber quem assume a ideia de que as identidades são estáticas, ou de que alguma vez foram alheias às relações de poder. De modo a que estas se venham agora invocar, para, num mundo globalizado, recusar a escala da coesão europeia …

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