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Crónica: Debita Nostra LXXXIII

Luís Costa - 22/03/2018 - 9:41

“Podemos conceber que a velha sociedade se possa integrar pacificamente na nova sociedade em países onde a representação popular concentra nas suas mãos todo o poder e onde, pela via constitucional, se pode fazer o que se quer, desde que se conte com a maioria do povo, conforme sucede nas repúblicas democráticas, tais como a França e a América do Norte e em monarquias como a inglesa…” (F. Engels, “Crítica ao programa de Erfurt”, 1891)
É evidente que a América a que Engels se refere é muito mais a de que fala Alexis de Tocqueville (De la Démocratie en Amérique, 1835-1840) do que a que transparece da eleição de Trump como seu último presidente. Mas, embora ao nível macropolítico já se torne difícil detetar na segunda os vestígios da primeira, nada há naquela que não possa ombrear com o exercício democrático, como o de França e Inglaterra, nos finais do séc. XIX. Sobretudo tendo em conta a componente ‘popular’ da eleição de Donald Trump, nomeadamente entre o “ferrugento” operariado da indústria pesada norte-americana (Rust Belt).
Por outro lado, também em nada desmereceu a evolução democrática de países como a França ou o Reino Unido, de modo a que não possam somar-se na constituição de um espaço democrático mais alargado, perante a escala a que hoje se tomam efetivas decisões políticas. Mesmo face à “precariedade” do “único exemplo de uma democracia regional” existente (UE), se, sem qualquer reserva mental, se pretenda “ampliar essa forma de influência democrática das sociedades sobre si mesmas, para além das fronteiras nacionais” (Habermas, DEBITA NOSTRA LXX).
O que não colhe é a ideia de que a democracia alguma vez possa decorrer à margem das fáticas relações de poder, ou se consiga sustentar de exclusivismos nacionalistas (DEBITA NOSTRA LXXX). Porquê, então, a indiferença face às cambiantes políticas por que foi passando o projeto europeu, mesmo quando favoráveis à consolidação do Estado-social?!
Para Engels (1891), o importante era salvaguardar o partido social-democrata alemão em relação ao autoritarismo de raiz bismarckiana, defendendo a transição democrática para uma sociedade socialista. Posição ultrapassada, um quarto de século depois, com a revolução russa de 1917. E só em 1956 o XX Congresso do PC da URSS retomaria a tese de que o socialismo se poderia alcançar pela via parlamentar, pelo menos nas democracias ocidentais. Em cuja composição social, entretanto, já profundas transformações vinham ocorrendo…
Ora, ainda em 1919, uma revolução alemã, inspirada no mesmo internacionalismo proletário, tentaria replicar a revolução russa. Para Lenine, porém, face ao desigual desenvolvimento das sociedades, a “questão nacional” poderia ser de extrema importância, se as reivindicações nacionais se pudessem integrar na mais geral luta de classes contra o domínio imperialista.
Eis uma das razões por que, mesmo numa Europa apertada pela globalização financeira, se podem adotar posições nacionalistas.

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