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Crónica: Debita nostra LXII

Luís Costa - 25/05/2017 - 10:46

Tal estado de coisas (o sistema injusto e opressivo, que bradava ao Céu e que pesava sobre o homem do trabalho) era favorecido pelo sistema sociopolítico liberal o qual, segundo as suas premissas de ‘economismo’, (…) não se preocupava suficientemente com os direitos do operário, afirmando que o trabalho humano é apenas um instrumento de produção e que o capital é o fundamento, coeficiente e finalidade da produção.” (João Paulo II, ‘Laborem Exercens’, 1981, pp.29).
Se as transformações no mundo do trabalho, e no seu entendimento, são inseparáveis do advento da modernidade, DEBITA NOSTRA, XXII a XXIV), são-no também dos tempos contemporâneos. A revolução industrial produziu uma nova classe de trabalhadores, cerzida em improvisadas aglomerações urbanas e caracterizada por uma inimaginável concentração de precariedade, miséria e sofrimento.
E se tal estado das coisas se escudou sempre nas ‘melhores razões’, como as da produtividade e da competitividade, nem por isso deixou de provocar “uma justa reação social” que, desde logo, suscitou “um grande movimento de solidariedade entre os operários” e os trabalhadores, em geral (Laborem Exercens, 28).
Por outro lado, esta mesma acuidade social do trabalho acabou por suscitar novos afloramentos doutrinários e teóricos. E se, como já foi referido (DEBITA NOSTRA, XLIV e LIV), está subjacente ao advento de uma específica doutrina social (Laborem Exercens, 15), está igualmente presente na inspiração das temáticas de uma embrionária ciência social e de outros desenvolvimentos teóricos com inegável impacto político, como o marxismo.
Com maior ou menor paternalismo, mais ou menos toleradas, acantonadas ou subtilmente lateralizadas pela progressiva hegemonia da ideologia liberal, todas estas correntes colocaram o trabalho no centro das suas atenções. Mais importante, porém, é o papel que lhe reservam, sendo hoje ponto assente que “é preciso haja sempre novos movimentos de solidariedade dos trabalhadores e com os trabalhadores” (Laborem Exercens, 31). E é aqui que o marxismo merece particular referência.
Marx foi buscar a Hegel a ideia do movimento dialético que este caracterizava pela oposição tese/antítese, de que brotava uma síntese, origem de uma nova tese, etc.. Aplicada à história social, sucessivas oposições terão gerado classes ‘síntese’ até se ter chegado à confrontação burguesia/proletariado. Com a diferença de esta ser a derradeira, pela definitiva vitória do proletariado. Ou com os camponeses, dada a especificidade da situação russa, ou pelos trabalhadores em geral proletarizados, dada a natural evolução do trabalho. Seriam eles os musculados obreiros de uma ideal sociedade sem classes.
É claro que a continuidade do movimento dialético seria muito mais plausível. Mas não surpreende que tal convicção tenha gerado um mito temporão do fim da História, de alguma forma simétrico do de Fukuyama. O que há de surpreender é a persistente retração dos seus potenciais beneficiários, suscitando a questão da representação política do mundo do trabalho…

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