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Crónica: Debita Nostra LXIII

Luís Costa - 08/06/2017 - 14:58

… “a concentração do capital político nas mãos de um pequeno grupo é tanto menos contrariada, e portanto tanto mais provável, quanto mais desapossados de instrumentos materiais e culturais necessários à participação ativa na política estão os simples aderentes – sobretudo o ‘tempo livre’ e o ‘capital cultural’”. (Pierre Bourdieu, “O Poder Simbólico”, 1989, pp. 164).
A ideia de que a atividade política deve favorecer, em última instância, os mais desprotegidos e injustiçados é de uma solidez moral inquestionável. E é por isso que, na Política Social, se adotou o chamado princípio de Rawls que propõe a quebra da universalidade, se em benefício dos menos contemplados. 
Mas, se tal obriga a prevenir quaisquer formas de paternalismo, suscita uma outra inevitável questão: os ‘desapossados’ são também os menos dotados dos instrumentos para inverter a sua própria situação. E, a partir do momento em que os possuam, deixam de ser ‘desapossados’. Depois, obriga ainda a uma instante atenção a esse ‘desapossamento’, que se não compadece com qualquer atitude que o fixe num dado momento histórico e lhe atribua um improvável papel.
Ora, apesar das profundas alterações havidas e em curso no mundo do trabalho, persistem e proliferam nele setores em situação de exclusão, de precariedade e de reduzida capacidade reivindicativa. Para já não falar de um crescente prejuízo na distribuição global do rendimento, tantas vezes iludido por valores salariais médios, ou pelo ‘esquecimento’ de que os impostos incidem privilegiadamente sobre o trabalho. Não pode, assim, desprezar-se a capacidade de organização, mobilização e esforço desde sempre associados à inverosímil crença novecentista de que aos proletários cabem as fundações de uma nova e impoluta sociedade. 
Isso não significa, porém, que se adote tal associação, por mais minimalista que ela esteja. Ou que se aceite legitimá-la pelos seus efeitos imediatos. Ou que se lhe atribua uma tática inevitabilidade, como se fora estrategicamente inócua. Ou que se fique indiferente aos fins, em função dos meios, justificando então a conhecida transumância eleitoral para o polo oposto do espectro político. 
Nem que se restrinja a representação política a setores sociais específicos e tradicionalmente representados, nomeadamente subestimando diversas, recentes ou dificilmente enquadráveis formas de exclusão, cuja imediata urgência não pode ser toldada por qualquer uso estratégico do urgente e imediato. 
Já quando a revolução alemã de 1919 procurou replicar a revolução russa de 1917, a maioria dos trabalhadores estava com o movimento social-democrata. Nada que a teoria não pudesse resolver, identificando uma vanguarda iluminada que os haveria de representar a todos. Ora, ainda admitindo que a estrutura social a todos nos limita a um “máximo de consciência possível” (L. Goldmann), não há representação aceitável do mundo do trabalho que não resulte do reconhecimento dos próprios trabalhadores.
Até lá, resulta das convicções que provêm das crenças e das evidências que provêm das convicções. Ou de qualquer outra razão transcendente…
                

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