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Debita Nostra LXXIV

Luís Costa - 09/11/2017 - 10:29

"À luz da análise da realidade fundamental de todo o processo económico (…) importa reconhecer que o erro do primitivo capitalismo pode repetir-se sempre que o homem for, de alguma forma, tratado da mesma maneira que todo o conjunto dos meios materiais de produção, como instrumento e não segundo a verdadeira dignidade do seu trabalho – ou seja, como sujeito e autor e, por isso mesmo, como verdadeira finalidade de todo o processo de produção.” (João Paulo II, Laborem Exercens, pp. 27).
Não se podem atualmente avaliar os dilemas do chamado “modelo social europeu”, sem uma breve apreciação das “reformas estruturais” que a “Agenda 2010” implicou para a Alemanha e do subsequente proselitismo com que a Europa se confronta (DEBITA NOSTRA LXXII). 
Fundamentalmente, a Agenda 2010 aumentou a competitividade alemã e baixou o desemprego à custa de uma liberalização do mercado laboral. Reduziu, assim, os custos do trabalho, normalizando a precariedade, contendo os salários, subindo a idade da reforma e privatizando parte do respetivo sistema, elevando as contribuições para a segurança social e dando ao desemprego uma cobertura assistencialista.
Por outro lado, redistribuiu o rendimento, concentrando a riqueza, e vazou uma abundante classe média, mercê da precarização da população ativa, sobretudo jovem e feminina, que hoje atinge cerca de 25% do total. Esticou ainda a pobreza infantil até valores da ordem dos 20% e criou um desfasamento entre ‘insiders’ e ‘outsiders’ (DEBITA NOSTRA LXXIII), minando a coesão social, com consequências políticas que as mais recentes eleições apenas prenunciam.
E se estes níveis de competitividade foram também conseguidos ‘tramando’ o parceiro (beggar the neighbour) europeu, não serão sustentáveis por muito mais tempo, se, como se pretende, ele adotar a receita (na UE a precariedade já ronda, em média, os 16%, sendo de 22,6% em Portugal). O mesmo se passa, aliás, com uma geral competitividade fiscal, cuja consequência última seria, naturalmente, a da eliminação de quaisquer impostos sobre o capital. 
Mas é claro que o pretexto para toda esta competição é o comércio global que, no limite, também só pode ter por ‘modelo’ os países pobres e as respetivas condições de trabalho. A isto chegámos, seduzidos pela deslumbrante ideia de que, se nos depauperarmos, conseguiremos (ad)mirar tudo a preços muito mais baixos.
Ora, quando E. Macron propõe (26-09-17) uma taxa aduaneira sobre os produtos importados que não respeitem os critérios de CO2, beliscando, assim, a gulosa ‘vaca sagrada’ do desprotecionismo, fá-lo certamente preocupado com o ar que todos respiramos. Mas na ilusão do recorrente viés que sempre apoucou um outro tipo de ‘poluição’: a que trata o ser humano “da mesma maneira que todo o conjunto dos meios materiais de produção”.
Ainda que sob o pretexto de um pretenso ‘realismo’ que, mal tolerando a dimensão histórica da “análise da realidade fundamental de todo o processo económico”, nos condena ao absolutismo do imediato…

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