Este site utiliza cookies. Ao continuar a navegar no nosso website está a consentir a utilização de cookies. Saiba mais

Crónica: Debita Nostra LXXXI

Luís Costa - 22/02/2018 - 9:52

Na crise do euro os países do Norte mostraram solidariedade para com os países do Sul. Como social-democrata, a solidariedade é para mim extremamente importante. Mas quem a pede, tem também deveres. Não posso gastar o meu dinheiro todo em bebida e mulheres e depois disso ir pedir a vossa ajuda. Este princípio vale para o nível pessoal, local, nacional e também europeu”. (J. Dijsselbloem, “Frankfurter Allgemeine Zeitung”, 20 de março de 2017).
É claro que a crise do “modelo social europeu” está diretamente relacionada com as diferentes crises que neste momento assolam a Europa, como a do impacto da globalização, a da conversão da dívida em dívidas soberanas e a dos desequilíbrios na adoção do euro. 
E estou em crer que, cumprindo a tradição, todas elas acabem por sobrar para os mais fracos. Tal não obsta, porém, a que tente alargar a panorâmica, nomeadamente, pelas limitações de uma leitura mecanicista das dinâmicas sociais que, a cor de sépia, já os traz retratado desde o séc. XIX.
Interessa-me, particularmente a observação de como tais crises se repercutem em réplicas identitárias e se projetam sobre significativos setores da classe média, com as consequentes sequelas, dada a respetiva capacidade de contágio. Nem tanto as chamadas novas classes médias, beneficiárias de uma mais recente mobilidade, como outras já consolidadas que, no centro do privilégio, se sentem hoje sob ameaça. 
Desde logo, pela pujança das novo-ricas congéneres das periferias, tradicionalmente subestimadas, sobretudo onde persistem as memórias de uma anterior gesta colonial. Mas também pelos efeitos de uma galopante precariedade laboral que cada vez mais as confina, prenunciando-lhes a desqualificação dos herdeiros (DEBITA NOSTRA LXXIX).
Só que a classe média, muito mais que o repositório da mobilidade social, é a demonstração viva de uma possível, ainda que circunscrita, ascensão social. E que facilmente assume como fruto do mérito, independentemente do favor das condições de contexto. 
Ao atingi-la, o liberalismo económico vai esboroando o centro político, suscitando-lhe reflexos defensivos que resultam tanto do assumido pressuposto meritocrático quanto da sua efetiva negação. E enquistando relações de poder que se escudam na ideia da incapacidade dos “outros”, ou mesmo na da sua irremediável perversão. Exacerbando nacionalismos… 
Que o alfobre de tal fenómeno seja o centro e norte da Europa não é de espantar. Foi de lá que partiu a mudança social que no liberalismo se viria a consolidar. Lá onde Max Weber viu a demanda pelo cumprimento do fado da predestinação (DEBITA NOSTRA XXI). Mas onde também ressurgiu a tradição carismática que haveria de suscitar uma tão efetiva quanto inédita e motivadora mobilidade social.
Porém, nenhum daqueles nacionalismos pode, só por si, sustentar hoje a capacidade de ditar o que quer que seja à escala global. Resta saber por que não hão de os mais fracos aproveitar a circunstância para dela tirarem melhor proveito…

COMENTÁRIOS