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Crónica: Debita Nostra LXXXV

Luís Costa - 19/04/2018 - 14:39

Na Itália vence o Movimento 5 Estrelas, o estandarte dos anti-sistema.’ Mas escrevem (Ilvo Diamanti e Marc Lazar) na apresentação do livro (Popolocrazia. La Metamorfosi delle Nostre Democrazie): ‘Os populismos são uma febre, não são a doença. Põem o problema do funcionamento da democracia e isto pode forçar-nos a melhorar os nossos procedimentos democráticos. Poderemos, em definitivo, considerá-los uma oportunidade’.” (J. de Almeida Fernandes, Público, 10-04-18).
Muitas das mais recentes manifestações de populismo resultam dos próprios vícios da democracia e o pressuposto de que esta se esgota na consulta popular tem-na mesmo conduzido a estranhas formas de negação. Desde a geral atração das formações políticas pelo ‘gosto popular’; à tentativa de o condicionar pelo fabrico de “fake news”; até à sufragada justificação de ostensivos aleijões ao Estado de direito.
Ora, a democracia pressupõe também um certo número de condições e a observância de um conjunto mínimo de princípios e regras que sempre se afirmaram contra muito mais enraizadas convicções de “realismo”.
Desde logo, ela só pode sustentar-se do voto ‘popular’ na medida em que assegure um determinado padrão de condições de vida. Pelo menos a médio prazo e na base de uma equitativa distribuição dos respetivos encargos, já que “a longo prazo, todos estaremos mortos”. Porém, não só a sua acreditada relação com o crescimento económico tem vindo a ser questionada pelo autoritário sucesso do “capitalismo asiático”, como os seus requisitos se têm vindo a revelar cada vez mais sumptuários face ao dominante manejo da presente crise. 
A mesma que se tornou cúmplice das prodigalidades do sistema financeiro. O mesmo cuja excessiva liquidez vem fomentando a disseminação da dívida. A mesma que, com tolerante realismo, tem suscitado uma inusitada concentração do rendimento. Que ela também se traduza em situações que conjugam o trabalho e a pobreza, ou o seu risco, que multiplique o desemprego e o subemprego e que apregoe a precariedade, subestimando o respetivo potencial de coerção e outros efeitos colaterais, não parece perturbar as nossas democracias. 
Que ela incida particularmente sobre a população jovem, que esta, em muitos casos, dependa do encolhido rendimento dos pais e se depare com limitadas possibilidades de se autonomizar e constituir família e que para tanto não vislumbre saída, sujeita que está a sofisticados mecanismos de coerção e seus efeitos colaterais, não parece perturbar as nossas democracias.
Assim, o que estas têm para lhe oferecer é não só uma humilhante degradação das legítimas expectativas de vida, como também um intolerável desequilíbrio na distribuição dos respetivos encargos, assentes na naturalização de conhecidíssimos argumentos.
Onde se conjuga a ideia de que um debilitado Estado-social é o sorvedouro que obstaculiza qualquer crescimento económico com a de que pode ser ele a fazer face ao controlo de fluxos financeiros que não sabem de fronteiras, nem de responsabilidades fiscais. 

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