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Crónica: Debita Nostra LXXXVII

Luís Costa - 17/05/2018 - 10:41

Os cidadãos, especialmente os ‘millennials’, têm menos fé no sistema democrático. São mais propensos a expressar um olhar hostil em relação à democracia. E votam, em cada vez maior número, nos partidos ‘anti-establishment’ e em candidatos que desprezam as velhas normas democráticas.” (Tradução livre de Y. Mounk e R. Foa “Yes, people really are turning away from democracy”, The Washington Post, 08-12-16). Agora que tanto se fala de “democracias iliberais”, talvez não fosse mau recuperar a reflexão sobre as relações entre liberalismo e democracia que frequentemente se identifica com o liberalismo político. Considerando que a afirmação do liberalismo se fez invocando o Estado de direito e a sua legitimação através da “vontade popular”, há que reconhecer nele as regras de qualquer abertura política. A democracia moderna é então indissociável do liberalismo político, o que não significa que não tivesse que vir a ser temperada por século e meio de esforçados ajustes, que a moldaram ao que hoje nos permite reconhecê-la como tal. Se não, muitas “democracias iliberais” teria havido. Que o digam as sufragistas e o “povo”, em geral (DEBITA NOSTRA LVI). Mas, se esse desenvolvimento a converteu num incontornável “menor dos males”, nem por isso lhe corrigiu alguns dos trejeitos de nascença, nomeadamente, no que à conceção liberal do mundo se refere e à sua inspiração iluminista. Para o mais inocente liberalismo, “o progresso” irradiava um tal fulgor que o tornava muito mais irresistível que a luz à generalidade das borboletas. Porém, em contrapartida, uniformizava o “cidadão” (aldeão?) na capacidade de o alcançar, fazendo da liberdade um princípio abstrato, já que independente de quaisquer concretas condições de contexto. Foi assim com o mercado que, à margem das correlações de forças, haveria de suscitar o equilíbrio social. Foi assim com a escola que, à margem das suas afinidades sociais, seria universal. Foi assim com o sistema democrático, em que a cidadania se exerceria, à margem das suas efetivas possibilidades de uso. E, como ninguém se lembrou de colocar o contador a zero, já vemos quem ganhou a corrida. Ou seja, a quem serviu, o liberal exercício da liberdade, liberalmente acautelado de um poder moderador que o pudesse regular. Ora, o problema nem são tanto as marcas de nascença, como a sua persistência ao nível do senso comum, sobretudo se liberalmente legitimado pelo pressuposto da absoluta individualidade. Ou seja, pela enraizada convicção de que, para competir, não conta o ponto de partida, mas a inteira capacidade dos atletas. E porque o senso é comum, todos nele nos refastelamos, mesmo os mais atentos às sinuosidades do poder. Não é que, em democracia, os que, como os “millennials”, “têm menos fé” nas alternativas existentes poderiam sempre criar uma outra?! Então porque se lhe manifestam “hostis” e é no “anti-establishment” que a vão procurar?!

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