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Debita Nostra XLII

Luís Costa - 11/08/2016 - 15:48

Partindo da nossa data de referência, de 1700, o que vemos (…) é um gigantesco aparelho financeiro, de crédito e dívida, que opera - na prática – para extrair cada vez mais trabalho de cada um dos que se cruzam no seu caminho e que, como resultado, produz uma ilimitada expansão do volume de bens materiais. Não por qualquer compulsão moral, mas, sobretudo, por usar a compulsão moral para mobilizar uma tremenda força física.” (tradução livre de David Graeber, 2011, Debt – The first 5000 years, pp. 346). 
A distinção que Graeber estabelece, sobre os últimos 300 anos, na sua pormenorizada descrição (dos “primeiros 5000 anos”) da história da dívida, parece ser muito mais natureza quantitativa do que propriamente qualitativa. 
É que, embora numa outra escala, não há nada de substancialmente diferente ou de particularmente apetitoso, nos anteriores 4700, que nos pudesse sugerir uma compensatória viagem no tempo e o regresso à desejada “idade do ouro”. O que não deixa de suscitar outras tantas interrogações:
Quando, já mais para os finais do séc. XVIII, Adam Smith afirmava que “a perfeita liberdade” (mercado) conduziria a uma maior igualdade, mercê da tendência para o equilíbrio, entre vantagens e desvantagens, tanto na procura do trabalho como na do capital (op. cit., cap. X), em que bases empíricas fundamentava a sua crença? Nas da história da humanidade? Não me parece! E, não existindo elas, como reconhece, de onde lhe veio tamanho aceitação?
Independentemente da boa-fé de Smith, um espartano professor de moral, não seria que os interesses/poderes emergentes precisavam da sua teoria para mais facilmente se libertarem das peias que então os prendiam? 
O que é certo, é que se generalizou a ideia de que a liberdade é coisa independente da distribuição dos poderes e de que basta decretá-la para que todos dela possam imediata e igualmente usufruir. E que o preconceito ganhou o senso comum, ao ponto de, hoje, tanta gente se ufanar de vencer corridas, sem cuidar de saber de quais foram os pontos de partida.
E, não raro, este tão conveniente, mas pouco desportivo, jeito de pensar aparece a reforçar os mais decisivos argumentos, pelo menos até que nos começa a entrar pelos bolsos, como parece acontecer agora com a banca nacional.
Mas, talvez mais grave, é o subliminar processo de ocultação de quais foram as consequências históricas desta desenvoltura ideológica, que essas não resistem à mudança de escala que David Graeber pretende datar e sublinhar. Nem aliviam as mais recentes apreensões quanto ao destino das nossas sociedades, neste “mundo em guerra” em que cada vez mais vivemos. 
É certo que a História se não repete, porque lhe faltam recargas de contexto. Mas os seus erros sim, à força de tanto se nos querer fazer varrer a memória. Reavivemo-la, então, com o recurso a testemunhos que, apesar da sua diversidade de perspetivas, inequivocamente nos reportam a maior devastação humana por que já alguma vez passou o nosso irrecusável contexto geopolítico.

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