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Debita Nostra LII

Luís Costa - 29/12/2016 - 9:32


A liberdade na pobreza não funciona: ‘Free to choose’ (livre para escolher), dizia Milton Friedman; ‘Free to lose (livre para perder), respondia a esquerda americana.” (Thomas Piketty, 2016, ‘Podemos Salvar a Europa?’, pp. 44).
Se a solução monetarista para a “Grande Depressão” (1929) pecou por tardia (DEBITA NOSTRA LI), nem por isso ela é menos relevante para quem (se) debate (com) a atual crise. É que, só nos últimos meses de 2008, os bancos centrais americano (Fed) e europeu (BCE) emitiram moeda num equivalente a 10% do PIB, com resultados meramente paliativos. 
Entretanto, o investimento público (os estados são cada vez mais liliputianos à escala da macroeconomia) foi-se esvaindo pela conversão de dívidas privadas em dívida soberana (a cargo dos contribuintes). E a incidência fiscal regrediu (Roosevelt subira os impostos das elites financeiras para 80-90%) com a legitimação, a blindagem, os retornos e a atual dimensão dos “paraísos fiscais”. Já vemos “por onde vai a economia”!?
Mas, dizer isto não é menosprezar a obra do Nobel (1976) Milton Friedman (ou mesmo a de alguns dos seus discípulos), nomeadamente a sua “História Monetária dos Estados Unidos 1867-1860”. É apenas acrescentar que ela não é nem política, nem socialmente neutra.
Desde logo, porque os EUA são um país específico, cujo contexto/processo de formação (o caldeirão em que caíram quando pequeninos) fez do seu liberalismo não uma questão estritamente ideológica, mas uma questão cultural. E se isso inquina a análise dos que, na penteação do conflito social, apenas aprenderam a fazer o risco ao meio, também não nos permite a imediata extrapolação para outros contextos. Como, aliás, se depreende dos insucessos da “escola de Chicago” na América do Sul e da sua sã camaradagem com muitas das ditaduras latino-americanas. O que não pode deixar de suscitar pertinente interrogação sobre qual o tipo de liberdade de que tratava. 
Depois ainda, porque essa mesma liberdade se manifesta meticulosamente sovina com alguns, enquanto prodigamente generosa com outros, de quem exige muito pouco em termos de responsabilidades. O caso do sistema financeiro é, na presente crise, bastante elucidativo a tal respeito. Não só todas as suas especulativas e pouco escrupulosas piruetas foram estimuladas e sobejamente compensadas, como em quase todas as suas desastrosas consequências, talvez com exceção do Lehman Brothers, a culpa morreu solteira, se é que não foi mesmo premiada. O Goldman Sachs e os seus prestimosos “boys” são disso um bom exemplo.
Ora, tratando-se de liberalismo, é própria conceção de liberdade e os seus conhecidos efeitos sociais que, na esteira de Adam Smith, aqui estão em causa. Como bem lembra Piketty, não só ela é meramente abstrata, ao ignorar as reais condições (capacidade) para o seu exercício, como, à falta destas, acaba sempre mal distribuída ou mesmo subvertida, com mais que experimentadas consequências.
Importa, assim, falar da continuidade do liberalismo, lembrando a persistência temporal da praxis smithiana e as contundentes reações que suscitou.

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