Este site utiliza cookies. Ao continuar a navegar no nosso website está a consentir a utilização de cookies. Saiba mais

Debita nostra LIX

Luís Costa - 13/04/2017 - 10:17

“O nazismo converteu-se, então, num bom pretexto para uma primeira reabilitação do liberalismo e para a rejeição de tudo o que o pudesse contradizer”

 

O ministro alemão das Finanças, o cristão-democrata Wolfgang Schäuble, acusa o candidato social-democrata à Chancelaria, nas eleições de setembro, Martin Schultz, de seguir as receitas populistas do presidente estadunidense Donald Trump. Numa entrevista publicada hoje no semanário ‘Der Spiegel’, o veterano ministro da chanceler alemã, Ângela Merkel, assegura que Schultz segue os ‘métodos da pós-verdade da campanha eleitoral estadunidense”… (Agência EFE, 10 de fevereiro de 2017).

Claro que a obra de Max Weber tem que ser contextualizada (DEBITA NOSTRA XXI). Mas nem por isso deixa de ser significativa a sua afirmação do impacto social das crenças, nas sociedades modernas, bem como a das subsequentes sequelas da tradição elitista protestante e do seu esteio na ideia de predestinação.

Ainda que a distinção de um “povo escolhido” já radique na mais antiga tradição judaica, todas estas tradições exprimem assomos culturais em que, sob diferentes formas, se pressupõe a existência do grupo dos eleitos. E em que este se subentende como pré-definido, propiciando uma conceção do mundo que o separa em irredutíveis bipolaridades.

De certo modo, é o que acontece na Alemanha do pós-guerra. Se, com o neoliberalismo, em geral, o mercado deixou de basear-se na suposta equivalência entre os contratantes, para, mais realisticamente, passar a assumir-se como espaço privilegiado de competição, no ordoliberalismo alemão, o Estado é apenas o facilitador dessa inevitável concorrência (Foucault, 160-165). Tudo o mais são excrescências que o colocam do lado errado da história e o Estado nacional-socialista seria disso a melhor demonstração. 

O nazismo converteu-se, então, num bom pretexto para uma primeira reabilitação do liberalismo e para a rejeição de tudo o que o pudesse contradizer. Assim, para os economistas de Friburgo, a Alemanha nazi, a América do New Deal (que Hayeck conhecia tão bem), a Inglaterra do Plano Beveridge e a União Soviética de Estaline não eram mais que diferentes expressões de uma mesma invariante: o Estado na sua essência. 

E é então que a tradição tende a consumar-se, sempre que não encontra outro bode expiatório para os problemas que o próprio liberalismo suscita, como a mais recente crise a nível planetário. Agora, porém, num contexto em que se atingiram colossais ganhos de produtividade, mas não menores níveis de concentração do rendimento, que um geral benefício dos povos mais periféricos já mal consegue disfarçar. 

Ao mesmo tempo em que os excluídos pela globalização e pelo ilusionismo democrático cada vez mais se acolhem ao (en)canto de sereia que já soprava de Leste, agora que a Oeste há algo de novo. Mas em que também não surpreende que, ao menor vislumbre de algo que, de alguma forma, possa desdizer a sua associal agenda, o liberalismo reaja: evocando as ferrugentas canhoneiras do Pacto de Varsóvia, ou brandindo o mais-à-mão fantasma do populismo!

COMENTÁRIOS