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Debita Nostra LXVIII

Luís Costa - 17/08/2017 - 9:56

A questão do livro (…) era a de encontrar um caminho, para lá do fundamentalismo mercantil e da social-democracia clássica, e aplicar este quadro à análise dos problemas políticos, desde os da vida quotidiana (…) aos da escala global. A preocupação central dos social-democratas deveria ser a do restabelecimento do domínio público (…), a seguir ao longo período em que as filosofias mercantis tomaram o poleiro.” (Tradução livre de A. Giddens, ‘A Terceira Via revisitada’, 2010).
A generalização do mito de uma natural contradição entre o mercado e o Estado (DEBITA NOSTRA LXVII) tornou-se imprescindível quer à original vigência do liberalismo, quer à sua mais recente recuperação sob a forma neoliberal. Com efeito, o liberalismo sempre tolerou o Estado como um prestador de serviços mínimos, mesmo quando a desregulação dos mercados conduziu à maior devastação humana que o nosso contexto geopolítico já alguma vez conheceu (DEBITA NOSTRA XLIV a XLVIII). 
E se essa influência se projetou na timidez com que democratas-cristãos e primeiros social-democratas foram insinuando uma intervenção social do Estado (DEBITA NOSTRA LIII), teve outras não menores repercussões. Como a que gerou a simétrica recusa do mercado e a sua substituição pelas entidades públicas, com frustrantes resultados económicos, mas também com sequelas políticas sobre tudo quanto era Estado. É que o neoliberalismo conseguira indiferenciar nessa mesma designação as suas mais diferentes expressões, desde as de inspiração revolucionária, às de linhagem reformista e conservadora (DEBITA NOSTRA LIX).
Assim, o Estado pôde ser identificado com a demonstração última de todos obstáculos à modernidade, mesmo se esta não ia além do séc. XVIII (Adam Smith) e já provara as mais desastrosas consequências sociais. Por outro lado, a progressiva desproporção entre a novel globalização dos mercados e o curto alcance dos controlos políticos nacionais, ia acentuando a imagem do Estado-nação como objeto necrofágico, face a interesses particulares mais imediatos e aos novos horizontes do comércio e do consumo internacionais.
É neste contexto que Anthony Giddens elabora sobre a sua “Terceira Via: a renovação da social-democracia” (1998), com imediata projeção sobre os desenvolvimentos políticos do ‘New Labour’ britânico (Tony Blair) e dos ‘New Democrats’ americanos (Bill Cliton) e outra mais diferida sobre a generalidade dos partidos socialistas e social-democratas.
Mas se o propósito, como refere nesta sua ‘revisitação’ (2010), era o de restabelecer o “domínio público”, face às derivas de um novo apogeu das “filosofias mercantis”, os resultados foram igualmente frustrantes e com não menos significativas sequelas.
É que, atrás das vantagens da globalização, vinham exatamente as filosofias que a inspiravam, tanto mais poderosas quanto em permanente negação das relações de poder, as que agora subjazem ao comércio global. As mesmas a cuja hegemonia Giddens provavelmente cede, ao menosprezar a correlação de forças entre o pretenso regulador e o pretenso regulado, nesta sua pretensa reconstituição do “domínio público”.

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