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Debita Nostra XXX

Luís Costa - 11/02/2016 - 6:00

“Culpados não existem (…). Todavia, alguém terá de pagar, cedo ou tarde, o preço que a aparência exige para ter um mínimo de realidade. Esse alguém é bem conhecido: chama-se povo, o povo que efetivamente trabalha e para quem, como escrevia Goethe, a maioria das revoluções que se fazem em seu nome não significam mais que a possibilidade de mudar de ombro para suportar a costumada carga.” (Eduardo Lourenço, “O Labirinto da Saudade”, 1978, pp. 148).

Se, em termos de mudança social, é possível distinguir contextos de predominância reformista ou revolucionária, convém também lembrar que essa demarcação não é perfeita e o papel que a ameaça revolucionária sempre exerceu sobre a urgência do reformismo. O sucesso das revoluções, porém, parece residir fundamentalmente na capacidade que têm para franquear as portas a um estádio de desenvolvimento social já não acobertável no espartilho de uma anterior ordem política.

É certo que a sua incontida dinâmica pode manifestar-se muito mais ambiciosa, sem que por isso se torne mais bem-sucedida. Pode mesmo desencadear trajetórias do tipo pendular. A não ser que uma intervenção mais musculada as retenha num dos polos do balanço, levantando de imediato a questão da sua legitimidade, teoricamente sustentável em três argumentos:

Um primeiro, seria da ordem do transcendente, de que, explícita ou implicitamente, deduziria uma superioridade política. Um segundo, partindo do princípio da equivalência das várias convicções políticas, consideraria legítimas as resultantes de um improvável sufrágio. E, um terceiro, invocaria a objetividade da aplicação política do princípio de Rawls: a legitimidade do tratamento desigual, desde que em favor dos mais desfavorecidos.  

"É certo que a sua incontida dinâmica pode manifestar-se muito mais ambiciosa, sem que por isso se torne mais bem-sucedida. Pode mesmo desencadear trajetórias do tipo pendular"

Ora, sendo este o invariável fundamento das iniciativas revolucionárias que, colhendo a sua razão de ser na insustentabilidade da ordem política precedente, sempre buscam no favor popular a sua mais óbvia legitimação, ele não dispensa mais criteriosa confirmação empírica.

Desde logo porque, mesmo quando elas suscitam uma inequívoca participação popular, não dependem da sua iniciativa. É que não há revoluções vitoriosas que não tenham integrado a sublevação e o protagonismo de frações dos grupos sociais dominantes. E se isso se reflete na dificuldade em encontrar líderes revolucionários de origem popular, não há razão para crer, a não ser numa perspetiva idealista, que eles não laborem em interesse próprio.

Talvez seja também por isso que é difícil apurar, no rescaldo das crenças, as concretas situações em que, para dizer como Goethe, a carga popular se tivesse apeado e não mudado simplesmente de ombro. O que não anula, face às insustentabilidades do presente, a urgência de uma efetiva mudança social.

Mas se as próprias revoluções, com as dinâmicas que desencadeiam, acabam por repor a ordem política que melhor acolhe o estádio das reais relações sociais, é a estas e à sua progressiva alteração que há que apontar. Coerentemente, conscientes de que se o reivindicável Estado Social é o maior antídoto da mudança revolucionária, não é certamente o seu melhor pretexto.

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