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Digressões Interiores: Mistério da Lomba Chã

João Lourenço Roque - 26/01/2017 - 12:10

Já me aconteceu por diversas vezes mas nunca como hoje. Movido pelo impulso da escrita, peguei na caneta e agarrei-me às palavras que o pensamento soltava, mas as palavras de tão rebeldes ou desconfiadas fugiam da folha de papel, apagavam-se e voltavam para dentro de mim.

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Já me aconteceu por diversas vezes mas nunca como hoje. Movido pelo impulso da escrita, peguei na caneta e agarrei-me às palavras que o pensamento soltava, mas as palavras de tão rebeldes ou desconfiadas fugiam da folha de papel, apagavam-se e voltavam para dentro de mim. A tal ponto que tive a sensação de que, mesmo depois de preenchida, a folha continuava em branco. Talvez comovido pela tragédia Chapecoense. 
Retido em Coimbra durante semanas, por motivo de doença, amontoaram-se as saudades de Castelo Branco e da aldeia. Mais do que julgava, doía-me a falta das pessoas e das coisas simples a que tanto me habituei nos últimos anos. A falta da horta – com as couves do Natal - da buganvília atrás do balcão, da romãzeira, do limoeiro carregado de belos frutos perfumados e da nespereira carregada de flor no quintal do João Filipe. A falta das ruas, da super lua, das casas de xisto e da lareira acesa. A falta das cotovias à procura de mais sol. A falta das minhas gatinhas tão meigas e companheiras…será que ainda se lembram de mim e esperam o meu regresso? A falta dos vizinhos, à caça de pokemons, e da família mais chegada que ainda por lá tenho, em especial o meu irmão, os meus sobrinhos e a minha cunhada. A falta de tantos silêncios, conversas e cantorias da Beira Baixa ao Alentejo: “Eu gosto muito de ouvir/ aqueles que cantam bem/ aqueles que bem não cantam/ gosto de os ouvir também/ Eu gosto muito de ouvir/ cantar a quem aprendeu/ se houvera quem me ensinara/ quem aprendia era eu”. Assim que puder, viajarei para Castelo Branco para disfarçar ou atenuar as mágoas de outras terras. Não me canso de visitar a cidade progressivamente construída e reconstruída de imagens antigas e modernas. 
Cidade admirável que soube preservar a sua identidade, expandir-se e modernizar-se em múltiplas dimensões: a nível urbanístico, económico, social e cultural. Cidade exemplar, estratégica, dentro e fora do “interior”, graças à qualidade das suas gentes e ao talento de autarcas excecionais: Joaquim Morão e Luís Correia. Dá gosto viver em Castelo Branco…só é pena a constelação de aldeias quase mortas ou apagadas, cheias de encantos a céu aberto. Em novembro, numa visita guiada pelo meu irmão, encontrei e percorri de surpresa em surpresa a Lomba Chã antiga, escondida e contida no passado dormente em dezenas de casas de xisto, algumas imponentes, outras modestas, mas todas de grande beleza arquitetónica e paisagística. Infelizmente, ao abandono e em ruínas. Bem arranjada e acolhedora a “casita da avó Pomba”, defronte da casa do sobrado da “costura”… 
Ali tornei segunda vez, à beira do Natal, na companhia do João Filipe e da Sara. Meses depois, ainda trago nos olhos as imagens do antigo povoado, tão airoso e encantador que bem merecia renascer, se as pessoas quisessem ou se a vida e o mundo não fossem o que são… É bem verdade que há sempre um Portugal desconhecido à nossa espera. 
Vejam só, mal se acredita que alguém como eu – amante da história, conhecedor de quase todos os territórios albicastrenses – só agora tenha descoberto a autêntica e maravilhosa Lomba Chã, tão perto dos Calvos. É o que dá correr apenas para o café do Nuno, à espera da “brasileira” que nunca aparece. Já ninguém sabe…ninguém pergunta pela cruz da Lomba Chã, no cruzamento dos quatro caminhos… O que me vale é a voz fadista da Ana Moura: “Passos na rua quem passa/Quem passa traz o passado…/Passos na rua quem é/É um sonho magoado.”

 

COMENTÁRIOS

Piedade
à muito tempo atrás
Mão tenho palavras para dizer o que sinto . Justo magnífica
MARIA BEATRIZ MARTINS OLIVEIRA MENEZES
à muito tempo atrás
Uma crónica esteticamente cativante.O conteúdo transpira sentimentos vários: de inquietação "...pela cruz de Lomba Chã...dos quatro caminhos; de amor pela sua cidade,pelas Terras do interior , pelos seus familiares; de tristeza pelo "abandono de dezenas de casas de xisto...". APRECIO: uma saudação ao DR. João Roque.