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Digressões Interiores: Éramos tantos primos

João Lourenço Roque - 12/01/2017 - 14:32

Passado o Natal, ainda não sei ao certo onde o passámos. Nem isso importaria desde que nos sentíssemos juntos e fraternos.

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Passado o Natal, ainda não sei ao certo onde o passámos. Nem isso importaria desde que nos sentíssemos juntos e fraternos. Mesmo sem prendas, mas com filhós e vinho novo. Já habitei em muitas casas, embora gostasse de ter habitado em muitas mais. Nunca vivi em casa dos meus tios, muito menos em casa dos meus avós. Éramos uma família bastante alargada… havia tantos primos…Hoje não faço ideia de quantos seremos. Com o correr da vida, quase tudo mudou. Muitos dos pertencentes às novas gerações ignoram-nos ou tomam-nos por desconhecidos. Dos antigos – os primos mais primos, iguais e chegados a nós – grande parte já partiu deste “vale de lágrimas”. Em novembro morreu o primo Manuel Nunes Lourenço, das Teixugueiras, o primo “Manuel do ti Pedro”, cuja memória aqui evoco numa singela e sentida palavra de homenagem. Ao recordá-lo, recordo também os demais primos já desaparecidos e todos os meus tios e tias, em especial o tio Pedro (Pedro que era João…) e a sua mulher, a bondosa tia Ana. Já habitei em muitas casas, repito. O que será feito da casa da rua Bernardim Ribeiro? Ninguém sabe, ninguém conta, ninguém contará a história das casas onde vivi. Em outubro, no decurso da solitária peregrinação pela baixa de Coimbra, em vez de seguir para a igreja de Santa Cruz como era meu propósito, os meus passos alteraram o roteiro e arrastaram-me a caminho da alta através da rua de Corpo de Deus. Detive-me em frente do n.º 108 e ali fiquei, parado no tempo durante largos minutos, a contemplar a velha casa – arruinada e à venda – onde fomos pobres, muito pobres, e tão ricos no enlevo de três crianças amorosas… que pareciam tão felizes. Antes, muito antes da vida nos trocar as voltas… Viagens no tempo e no coração, viagens na cidade, onde todos os dias te espero e todos os dias me faltas…
Não sei ao certo onde passámos o Natal e o Ano Novo. Fosse onde fosse, não consigo esquecer a Beira Baixa. Em Castelo Branco, nunca sei onde mais gostaria de encontrar-te. Talvez na igreja da Sé ou no Centro de Cultura Contemporânea. Talvez junto à estátua do Amato Lusitano, num poema de António Salvado. Ou naquela canção de Natal que tanto gostavas de cantar: “O Menino está dormindo”. Éramos uma família numerosa… tantos primos e primas, quase irmãos, muito chegados e faladores. Mesmo nas aldeias vai-se perdendo o “espírito de família”. Desconheço as casas em que ainda habitarei. Quem sabe o dia de amanhã. O que me vale é a tua voz fadista: “Porque será que não canto como canta a cotovia…”.       

 

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