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Digressões Interiores: Mais linguagem à moda antiga

João Lourenço Roque - 01/03/2018 - 10:51

Retorno à linguagem à moda antiga, correspondendo à curiosidade de muitos dos meus leitores. 

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Retorno à linguagem à moda antiga, correspondendo à curiosidade de muitos dos meus leitores. A par disso, mais adianto o “dicionário” dos “dialectos sarzedenses” e mais aumento a “chave” que te permita entrar melhor nas prosas e nas tradições de antigamente que, em boa parte, ainda persistem. Desta vez, aqui deixo os seguintes registos: Abaleia (baleia), abaspeiro (vespeiro), aboar (voar), adregar (acontecer, calhar), aftedo (desconfiado, finório), alapardado (escondido, à espreita), alapatchado (pequeno, espalmado), amargucer (inclinar a cabeça e o tronco para beber água nas fontes), amargulher (mergulhar), amintar (amamentar – “Com tantas vidas e com tantos cabritos, o que me vale é o meu home ajuder-me a amintá-los), amontar/amontar-se (montar - “Queria amontar-me no meu burro mas aquele caroutcho desviou-se do amontadouro e pôs-se a tcheirer bornicos e ós fanicos, não tive outro remédio senão ir à pata…”), antrar (entrar), arrecer-se (rir-se em jeito de provocação ou a despropósito – “ Aquela valdevina passou o tempo a arrecer-se prós rapazes…”; “estás a arrecer-te, mas olha que eu tenho pouca vontade de comédia…”), arrecuer (recuar), arrômedar (imitar, gozar), arrotchada (pancada forte com um pau), Asolheira (Soalheira), assbacado (aflito, muito assustado), assintado (sentado), assobier (assobiar), atcer (atiçar), atmóvele (automóvel), atramoujedo (atordoado), atraqnedo (cheio – “Tenho o sobrado tão atraqnedo com trogia que mal se lá pode antrar…). Bacorelho (porquito), balasteiro (indivíduo com fraca apresentação), bardalheiro (vagabundo que metia medo, especialmente às mulheres), bónia (boina), botar (deitar), bôtcha (cadela), bôtcho (cão), brinquer (brincar), burranca (burra nova), busquer (buscar, procurar). Caldãna (mixórdia, comida misturada e com mau aspecto), camboio (comboio), çarcar (cercar), caroutcho (malvado, safado), carro a estrabouler (carro ou carroça aos solavancos, aos saltos em caminhos maus), carros de mões (carros de mão), çgueno (cigano), clamúrias (conversas e lamentações em alta voz – “Ó menina, tinha tudo por fazer e aquela genoveva não me largava com clamúrias e mais clamúrias, vi-me negra para a inpontar), cotela (cautela), covice (cobiça – “Aquela presunçosa arrombou-se como as mais e também já mete pouca covice), cutvia (cotovia). Dabanão (em breve), darramar (tomar caminho, orientar-se – “O meu homezinho abalou de madrugueda, non me disse pra onde ia, fechou-se a noite e ele sem aparcer e eu aqui afligida sem saber pra onde darramar…”), desmarzelo (desmazelo). Encanastrado (aleijado, com ligaduras ou cintas no corpo), esbarrguer-se (esbarrigar-se, com ataque de diarreia), escarafuntcher (tirar pedaços de carne dos ossos cozidos, limpar os ouvidos com pauzinhos ou o nariz com os dedos, etc.), escarrapatchada (com as pernas muito abertas, a balouçar – “Aquela estouveda passou por mim numa gáspea, toda escarrapatchada em cima do burro, que parecia que levava fogo no rabo até aboava…”), escoutcheda (com mau aspecto –“Desta vez a broa calhou-me mal, ficou toda escoutcheda… ou seria do forno mal timperado ou do firmento, non sei quem a há-de comer assim…), escuma (espuma), escuter (escutar, auscultar), esfragulher (mexer com insistência), esfumagar (fumar muito), espandeiredo (espalhado, estendido), espindurer (pendurar –“Antonte andava a labrar com os bezerros, espindurei a marenda numa carrasqueira baixa, quando dei pela trilha um cão esfrangalhou-me a bolsa toda, comeu-me o conduto e abalou com o pão nos dentes), espinguerda (espingarda), estartalier (cambalear), estouredo (estoirado, muito cansado), estouvedo (estouvado), estrofego (muito trabalho “Passei o dia num estrofego…”), estroída/estroído (podre, cheiro intenso; rapariga doidinha por um rapaz –“aquela anda mesmo estroída, quando o vê até arrecende…”), eterrnededes do mundo (tempos muito antigos, eternidade), é o damonte (é o diacho, a pouca sorte –“Farta-se a gente de semear mas se adrega o tempo não vir a jeito perde-se tudo e ficamos sem nada, é o damonte…). Fdelga (fidalga –“Faz-se muito fdelga, só lhe serve pão de trigo e prasunto”), firmento (fermento), fnedo (cheio de fome), fordalíria (foz da Líria), fovreiro (fevereiro), frigorifo (frigorífico). Gaair-se (chorar alto, queixar-se), garter (gritar –“Caíu da parede, gaaiva-se muito, comecei a garter mas ninguém m’acudiu”), gestra (giesta), gomitar (vomitar, lançar fora), groja (arrogância, -“Tens muita groja mas eu abaixo-te as orelhas”). Home (homem), homezinho (homenzinho), hortaneja (pequena horta). Inburrkédo (amuado –“Inburrkou-se d’uma maneira que nem a fala me dava, vi-me negra para lhe dar a volta…), inbuznedo (amarrotado –“Abraçou-me tanto q’até me deixou o casaco todo inbuznedo…”), incafuedo (preso, metido em casa, etc.), incalburdiedo (misturado), incorrer (obrigar a fugir, espantar), indorinha (andorinha), infastiedo (enfastiado), inflougueiredo (fraquinho, sem medrança –“A badana dá bom leite mas o borreguito anda de borreira, pouco mama e está cada vez mais inflougueiredo), infurrjedo (enferrujado, envelhecido), ingadanhado (com as mãos frias), ingonha/inpada (desajeitado, mariola –“Aquele ingonha em vez de me çarcar as cabras na lomba espantou-mas ainda mais…”), inpontar (afastar, mandar embora), intanguido (cheio de frio), inxada (enxada), inxóvia (grande sujidade). Jabardão (porcalhão), jarmela (cabra leiteira). Ké…ké (ralhar a um cão, enxotá-lo), kôrrmessa (correria, grande azáfama –“Com medo à chuva andei numa kôrrmessa, a arrecadar o milho, os feijões e os gravanços que tinha a secar na eira). Labrar (lavrar), lapatcheiro (lençol de água ou lama nas ruas ou nos caminhos), lcença (licença), Lexandra (Alexandra), Lexandre (Alexandre). Madrugueda (madrugada), mai (mais), mandíngula (manha, esperteza), mascarrado (sujo de cinza ou dos carvões da fogueira), mchâno (melga), mjer (mijar), moscar-se (fugir, ir-se embora), mostro (mosto das uvas), murreça (murro), murta/murter (multa/multar –“ Ó João, tu bem sabes que a vida da Guarda é murter, se não tens cotela com a motorizada ainda te espetam uma grande murta… Ó mulher, murta há muita nos ribeiros…”), mal incatarrnedo (com cara de poucos amigos, de má catadura –“Passou por mim tão mal incatarrnedo que nem a salvação me deu…), medir a atinsão (medir a tensão arterial). Nasenhor (não, senhor), nasenhora (não, senhora), neste comenos (curto intervalo, entretanto – “Ó meninas, há dias apanhei cá um cagaço, pus-me a mjer à vontade no meio do caminho, neste comenos apareceu-me de frente um bardalheiro altarrão, que devia estar alapardado no meio das estevas, alevantei-me logo assbacada, toda a trômer, mas foi São Domingos que m’ acudiu…chamei o meu cão que andava por perto e incorreu aquele maldito que depressa levou sumiço…”). Obriguer (obrigar), odespóis (depois), olher (olhar), óquai (quase), o gripe (a gripe –“Saltou-me o gripe tão malino que me deixou azamboado…). Pantchouvedas (conversas sem jeito, aldrabices), pêssega (moça atraente), pgançoso (quezilento, má de aturar – “Já vistes o que me aconteceu com aquela pgançosa, estávamos as duas a conversar bem, ela toda arreceda… dabanão pcou-lhe a mosca, virou-me as costas e abalou a chamar-me nomes, tudo por causa d’umas nicas…”), pquer (picar), priado (furioso). Qármesse (quermesse), quintalejo (pequeno quintal), quintote (quente). Rbeiro (ribeiro), rouber (roubar). Salamanca (salamandra), sorvcel (prestável, trabalhadora), sorviço (serviço, trabalho –“Mesmo com os jornais caros não se apanha ninguém e o meu home, sempre a tchier, não pode com tanto sorviço, mas à noite, mai desinfadado, só lhe puxa pra brinquer… com tanta cambalhota ainda dá cabo de mim e dele …”), sujer (sujar). Taleigueda (saca com pouca quantidade de azeitona, cereal ou farinha), tchamar (chamar), tchapéu (chapéu), tcharco (charco), tcharrinquer (mastigar coisas duras), tchbeto (chibato, bode), tcheirer (cheirar), tchier (chiar), tchinqueda (moça vistosa, bonita, bem apresentada –“Aquele fraca roupa só olhava prás mai tchinquedas, mas teve que s’amanhar com uma porreta igual a ele…”), tchoupa (multa), tchover (chover), tramoços (tremoços), tromer (tremer). Uiver (uivar). Valhar (bailar) –“Aquele rançoso só queria valhar comigo…sempre a pedir lcença…”), vardascada (bater com uma verdasca), Vleres (Vilares), vzinha (vizinha). Xó…xó (ordem para os burros pararem), xô…xô (enxotar as galinhas), xulgaria (pouca vergonha, pessoal sem respeito). Zangorrear (caminhar com grande dificuldade). Por hoje já basta de “linguística”, de “prosas bárbaras e arcaicas”. Dabanão, viro-me para a música e regresso à poesia antiga; sempre bela e comovente. Poesia de Castelo Branco nos fados de Coimbra: ”Senhora partem tão tristes/ meus olhos por vós meu bem…”

Fevereiro de 2018

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