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Digressões Interiores: Milagres de S. Domingos...

João Lourenço Roque - 04/02/2016 - 9:26

Pouco ou nada direi das eleições presidenciais. Só foi pena não terem surgido melhores candidatos. Por exemplo António Guterres e Leonor Beleza. 

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Pouco ou nada direi das eleições presidenciais. Só foi pena não terem surgido melhores candidatos. Por exemplo António Guterres e Leonor Beleza. Em boa hora visitei, alguns dias depois do José Paulo e da Lúcia que não quiseram esperar por mim, a exposição “Imagens de Fé ex-votos da diocese de Portalegre-Castelo Branco”, patente ao público no antigo edifício dos CTT, bem perto da Igreja da Sé de que tanto gosto. Exposição rara e eloquente que, nas palavras do presidente da Câmara Municipal, Dr. Luís Correia, “nos confronta connosco, com a nossa finitude, mas também com a esperança que somos capazes de acalentar mesmo – ou sobretudo? – quando experenciamos a dor, a ameaça, a doença”. Por sua vez, D. Antonino Dias, Bispo da Diocese, sublinhou que “no raiar do Ano da Misericórdia que vamos começar a viver, os ex-votos testemunham a fé e a confiança do nosso povo no Deus da Misericórdia. No Deus que se manifesta e se faz valer de tantos modos no quotidiano de cada pessoa, de cada família, e na própria sociedade”. A interessante amostra de “painéis gratulatórios”, referente aos séculos XVIII e XIX, apresenta largas dezenas de “quadrinhos” ou “tabuinhas pintadas”, ora ingénuos ora rebuscados, em que se agradecem diversos milagres em situações de variados perigos e padecimentos. No decurso da visita, senti-me outra vez historiador e peregrino do passado, percorrendo e interrogando aquelas imagens singelas que nos atraem para outras dimensões do nosso património histórico, religioso e cultural e nos incitam a outras leituras da religiosidade popular. Imagens que nos tocam, nos olhos e na alma, e nos aproximam ou afastam dos nossos antepassados em múltiplos territórios e cenários: a vida quotidiana; as atitudes perante o medo, a doença e a morte; os comportamentos e as relações familiares; a geografia das ermidas e dos santuários; as devoções, os ambientes físicos e espirituais; os laços entre o sagrado e profano.
Passageira e já distante aquela visita solitária, em que apenas se ouviam os meus passos, numa tarde de dezembro, mas ainda trago nos olhos e no pensamento aquelas imagens tão sinceras e comoventes. Ainda não esqueci – como poderia esquecer? - os milagres de S. Domingos a Maria de Almeida, natural de Vilar de Baixo, e a Joaquim Nunes, filho de Vicente Nunes daquele casal, curados ambos de graves enfermidades…Não sei porquê também recordo de modo particular os milagres do Senhor dos Aflitos feitos a Antónia das Cantarinhas e a D. Antónia Lavradora e o milagre de Nossa Senhora do Almurtão à família de Antónia Beata…Certamente memorável, na paróquia de Castelo de Vide, e impressionante a “Mercê que fez a Senhora Santa Ana a Francisco Pereira que tendo um menino dormindo na cama na qual acharam uma víbora metida com o dito menino que por virtude da dita Senhora Santa Ana não teve perigo algum, 1772”. Perto dos caminhos do fim, não sei onde se perdeu e ficou a minha fé. Talvez a encontre de novo se me levares contigo a S. Domingos ou à Senhora dos Remédios. Longe de ti, longe de mim, quanto mais caminho mais parece que a minha vida nunca bateu certo e mais afrouxa qualquer esperança. Talvez renasça se vieres comigo acender fogueiras e cânticos nas noites mais silenciosas e cerradas em que se não vê palmo de chão nem alumiam estrelas longínquas nas mãos e no rosto das crianças abençoadas.    Após longo afastamento, voltei ao Lar de Nossa Senhora da Conceição da Santa Casa da Misericórdia de Sarzedas, a convite do provedor Anselmo Martins Levita que, por gentileza e amizade, quis associar-me à festa natalícia num almoço muito gostoso e alargado. Festa muito bonita, animada e fraterna. Despedi-me reconhecido e contente, mas no regresso aos Calvos palpitou-me aquela tristeza agarradiça própria da velhice ou do destino…Talvez por sentir que ao visitar lares de idosos, visito-me a mim próprio… Talvez por saber que há muitas portas que temos que atravessar sozinhos. Se amanhã aquela for a minha casa, quem poderá mitigar a saudade que já tenho desses teus olhos, desses teus lábios. Quando vieres traz-me aquele salmo de palavras doces e misericordiosas ou aquela história que nunca me contaste. História maravilhosa, sem princípio nem fim. Era uma vez…Por agora, ainda e sempre aquela canção de Jacques Brel: “Ne me quittes pas…” Ou aquele velhinho fado de Coimbra – “Passarinho da ribeira/ se não és meu inimigo/ empresta-me as tuas asas/ deixa-me ir voar contigo…”.
Pelo Natal recebi a visita do João Filipe e da Sara, princesinha encantadora. Fomos apanhar pinhas na floresta mágica escondida no nevoeiro. Ao que dizem a população da freguesia de Sarzedas tem andado assustada com a “onda de furtos” e rumores. Cada vez mais velhos e isolados, todos os dias a remar contra a maré, acho que merecíamos mais atenção e melhor protecção por parte das entidades governativas e das forças de segurança. Se assim não for só nos restará esperar por algum “milagre”. Milagre foi ter-te conhecido nos rumos incertos daquela noite inesperada. Abraça-me outra vez, não me digas nada.
 

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