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Digressões Interiores: Tudo mais longe, tudo mais perto

João Lourenço Roque - 25/01/2018 - 8:00

Quando escrevo nunca sei nem imagino quantas semanas (ou meses?) as minhas crónicas tardarão em ser publicadas, quase sempre remetidas para uma “fila de espera” crescentemente alongada ou alterada.

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Quando escrevo nunca sei nem imagino quantas semanas (ou meses?) as minhas crónicas tardarão em ser publicadas, quase sempre remetidas para uma “fila de espera” crescentemente alongada ou alterada. Por isso, já me habituei a lidar com datas sem datas e a não fazer caso do calendário regular. Tão longe o Natal de outrora, o Natal impossível. Do Natal possível guardei outra vez alguns momentos e mensagens tão simples e inesquecíveis. Mais que tudo, a participação do Xavier no concerto de Natal no convento de Mafra e a visita do João Filipe e da Sara. Horas e conversas breves na aldeia, a apanhar pinhas e ao redor da lareira. Tempo com tempo, a inventar “histórias de bruxas” e outras brincadeiras. Horas e palavras eternas, na memória e nos rastos dos meus dias. Raios de sol, raios de luz nas mãos de uma criança. Promessas de futuro, não sei onde.

Por vezes já não sei às quantas ando. Agarro-me a títulos retirados do último livro. Talvez ainda te lembres: “Éramos tantos primos…”. Em Novembro de 2017 partiu mais um, o primo Amável Cardosa da Nave, sobrinho e afilhado da minha mãe. Partiu em paz, no tempo certo ou incerto. Deixou boas lições de vida e fama de pedreiro muito engenhoso, construtor de casas, histórias e ideias. Tarde ou cedo talvez desabem algumas das paredes que ergueu com grande mestria e empenho, mas hão-de perdurar as lembranças e os feitos maiores da sua passagem pelo mundo. Novembro triste, mais tristeza nos primeiros dias do Ano Novo de 2018, entre Coimbra e Longroiva. Em Longroiva dobraram os sinos pela mãe da Maria Antónia. Senhora de grandes talentos e qualidades raras, esposa e mãe exemplar. Dobraram os sinos em Longroiva, dobraram no coração dos filhos e dos netos. Outros ecos e sinais nas palavras amigas e esperançosas do sacerdote. Findaram de vez as leituras nas casas da Espinhosa, perdidas no tempo e nos silêncios mais densos.

A vida é assim! Costumamos dizer por dizer. A vida é assim…feita de tudo e de nada. Coisas que mudam e não mudam, palavras que passam e não passam. Fazes-me falta em tantas noites e manhãs, mas não sei onde procurar-te. Espero por ti, nas estradas sem destino ou à porta de casa. Ainda não foi desta que vieste provar o azeite novo no lagar. Enquanto demoras, invento outras jornadas e levo-te nas minhas viagens. Por terras aqui tão perto e que tão mal conheço. Terras de Castelo Branco e de Sarzedas… Lembras-te do Vale de Maria Dona, da Magueija e do Pé da Serra? Lembras-te de Pousafoles, da Grade e da Azenha? Lembras-te da Lisga, do Sesmo e do Pomar? E de tantas outras… e de tantas mais. Sem esquecer aquela que na freguesia tem, a meu ver, o nome mais bonito e sugestivo: Casal de Águas de Verão. Gostaria de levar-te comigo em tantos itinerários e seduções. Aqui tão perto, atravessar fronteiras que não são fronteiras e descobrir ribeiras, povoações encantadoras, festas e feiras e óptimos restaurantes com pratos regionais nos concelhos vizinhos de Proença-a-Nova e de Oleiros, governados por autarcas dinâmicos, zelosos e criativos que apostam fortemente na valorização das pessoas e dos recursos endógenos. Exemplo disso a promoção de diversos eventos – recreativos, culturais e gastronómicos – em quadras especiais, atraindo visitantes em grande número.

Há história e histórias que nunca morrem. Contadas em livros apaixonantes. Há leituras que nos prendem e desprendem “até ao fim do mundo”. Nem sei o que mais dizer de um livro novo da Maria Helena da Cruz Coelho: D. Pedro e D. Inês. Diálogos entre o amor e a morte…

Regresso à aldeia, aonde resistem as últimas abreiras. Aumentam os dias em que não se vê ninguém, mas ainda se ouvem chocalhos, assobios e cantorias. A Ti Preces e a Ti Maria Augusta desandaram para outros lares. A Ti Lúcia refugiou-se em casa dos filhos. Mais casas fechadas, janelas sem rostos, chaminés sem fumo. Bancos ao sol vazios de gente. Ruas sem vozes, ruas sem passos. Tudo mais longe, tudo mais perto. Palavras ditas, palavras por dizer. Canções dormentes, adormecidas. Só tu és o meu fado nos fados de Coimbra: “ Contos velhinhos de amor/ numa noite branca e fria/ tantos tenho p’ra contar…”

 

Coimbra, Janeiro de 2018

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