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Documento Iconográfico de grande importância: Um tesouro fotográfico

Leonel Azevedo - 30/03/2017 - 12:10

O Ex.mo Sr. José Rodrigues Lima e sua esposa, a Ex.ma Sr.ª D. Maria Elisa da Cunha Tavares de Lima, acabam de oferecer à Câmara Municipal de Castelo Branco um documento iconográfico de grande importância para a história da cidade.

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O Ex.mo Sr. José Rodrigues Lima e sua esposa, a Ex.ma Sr.ª D. Maria Elisa da Cunha Tavares de Lima, acabam de oferecer à Câmara Municipal de Castelo Branco um documento iconográfico de grande importância para a história da cidade. Trata-se de uma prova em papel, colada sobre cartão, assinada pelo fotógrafo amador “Aguiar”, relativa a um acontecimento de grande significado para a cidade no último quartel do século XIX: um episódio da época da construção da linha do caminho de ferro da Beira Baixa. Linha compreendida entre as estações de Entroncamento e da Guarda, com uma extensão de 212 km. O troço entre Entroncamento e Abrantes é bastante anterior e foi inaugurado em 1862, serve também a linha do Leste e ramal de Cáceres. O projecto mais antigo da linha da Beira Baixa data de 1875 e foi desenhado pelo eng.º Francisco Maria de Sousa Brandão. A lei que estabelecia as condições do caderno de encargos data de 1883 e a assinatura do contrato para a sua construção tem a data de 29 de Julho de 1885. Nas fontes que consultámos, a autoria do projecto é atribuída ao eng.º Vasconcellos Porto. A linha teria duas fases de construção: a primeira entre Abrantes e a Covilhã (terminada em 1891) e a segunda entre a Covilhã e a Guarda (terminada em 1893). No final do ano de 1885 começaram as obras. A montagem da linha empregava, nos últimos meses de 1887, 3.500 operários diários, sem contar com condutores de obra, fiscais e engenheiros. Vários indivíduos qualificados da cidade trabalharam neste grande projecto: por exemplo, o mestre de obra, João Chito ou o engenheiro Vaz da Silva. Nos primeiros meses de 1888, aquele número subiu para 7.500. Em Abril de 1889, já a população operária atingia os 15.000 indivíduos (alguns de nacionalidade espanhola), 1.500 dos quais eram mulheres. Em Outubro de 1890 estavam concluídos os dois primeiros troços lançados a concurso, em um total de 140 km, entre Abrantes e Alcaide. Uma linha tão extensa, com 10 túneis, 64 pontes e viadutos (só a ponte sobre o Tejo, em Abrantes, consumiu 800 toneladas de ferro) e mais de duas dezenas de estações, implicava uma mão de obra abundante e diversificada. Para apoio sanitário, montaram-se hospitais ambulantes em Vila Velha de Ródão e Fundão. Houve imensos episódios funestos durante as obras, desde desastres no trabalho, confrontos entre operários e populares, a mortes por ajuste de contas; mas também houve paixões e raptos de raparigas em aldeias que confinavam com a linha. Episódios sociológicos enterrados nos caboucos do tempo. O acto de lançamento da primeira pedra da estação de Castelo Branco (de 2.ª classe) foi realizado, justamente, no dia 14 de Julho de 1889 — um século depois da Revolução Francesa — no mesmo dia em que chegava ali, pela primeira vez, o locomóvel da série Fontes (que fazia o apoio à construção) e deixava embasbacada a população citadina que ali ocorreu. No fim de Setembro deste ano, o troço entre Sarnadas de Ródão e Alpedrinha estava completo. A fotografia agora oferecida — e que vai enriquecer o multifacetado espólio iconográfico à guarda da Biblioteca Municipal de Castelo Branco — reporta-se a um episódio, de grande valor simbólico, na história da construção do caminho de ferro da Beira Baixa. No dia 16 de Novembro de 1890, Domingo, chegava à estação (ainda inacabada) o Par do Reino, Manuel Vaz Preto Geraldes, transportado na locomotiva. Uma grande multidão de povo e representantes de autoridades (uma crónica jornalística da época fala em cerca de 2 mil pessoas) acotovelava-se nas imediações da futura estação: aquelas pessoas queriam render homenagem a um dos mais estrénuos defensores da sua construção. A fotografia ilustra a recepção. Como se sabe, o feliz epílogo desta obra — de grande envergadura e talvez de maior impacto para a região — aconteceria no dia 6 de Setembro de 1891, aquando da sua inauguração, por Suas Majestades: El-Rei D. Carlos e a Rainha D. Amélia. A inauguração da linha, não havia dúvida, tornar-se-ia o momento capital da história da cidade na segunda metade do século XIX. O caminho de ferro produziria uma tímida “revolução” no desenvolvimento industrial e urbano, ao ponto de em poucos anos nascer a primeira “zona industrial”, acoplada e mais tarde com ligação férrea directa à estação. Zona industrial composta, em particular, de unidades industriais de transformação de azeitona e de cortiça. A imagem — como o leitor pode observar — mostra-nos o edifício da estação ainda em osso, isto é, sem os acabamentos nem o cais coberto, com as paredes dos taludes da linha ainda inacabados, o armazém de mercadorias (a sudoeste / poente) ainda sem telhado e uma estrutura provisória, em madeira, com uma dorna e um pipo para abastecimento da locomotiva. Ao fundo, à esquerda, na entrada da futura estação está parada a máquina que trouxe Vaz Preto à cidade (a caminho do seu palacete da Lousa) e todos estes curiosos à zona da estação. Muito curiosa a diversidade indumentária e a presença de chapéus de chuva denuncia, não a presença da chuva, como seria de esperar nesta altura do ano — 16 de Novembro —, mas sim uma prolongada e teimosa seca. A fotografia tem uma moldura rara e de grande beleza (talvez da década de 30 ou 40, do século XX) pintada a negro e com motivos do bordado de Castelo Branco a dourado. Nos tempos difíceis que correm, em que códigos morais e sentimentos de filantropia são espezinhados como mercadorias fora de prazo, comoveu-nos a oferta e não quisemos deixar de felicitar, publicamente, os doadores. Como historiador, particularmente interessado na história da fotografia em Castelo Branco, realço a raridade e boa conservação desta prova fotográfica. Leonel Azevedo

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