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É importante que as decisões sejam compreendidas: O espelho do mercado

Luís Beato Nunes - 22/03/2018 - 9:44

Muitas são as vezes que se culpam os mercados ou próprio Estado pelas situações e contextos particulares de cada um. Sendo ambas são figuras meramente abstratas tornam-se facilmente o bode expiatório dos males da sociedade.
Apesar de o Estado ser pessoa jurídica e, consequentemente, passível de ser acusado e materialmente responsabilizado, este processo deveria ser mais tangível e não se dirigir apenas a uma entidade colectivamente anónima onde os actores políticos dissolvem as suas obrigações enquanto dirigentes e representantes públicos. 
Afinal, as decisões são tomadas por pessoas e não por comissões, ou qualquer outra forma cobarde de partilha das consequências dessas mesmas resoluções. Não se trata de uma “caça às bruxas”, mas de compreender o racional de determinadas decisões que acabam por afetar de forma transversal toda a comunidade.
É importante que as decisões sejam compreendidas na sua dimensão temporal e perceber se as medidas adotadas eram as melhores, tendo em conta a informação disponível, dissipando qualquer dúvida de incompetência ou de corrupção.
No primeiro caso, as devidas consequências devem ser tomadas de acordo com a gravidade da situação, mas no caso de corrupção, e tendo em conta que se trata de um crime especialmente grave para detentores de cargos públicos, estes deveriam ser afastados de quaisquer funções públicas por tempo indeterminado.
Se para o Estado pode haver uma forma de tornar mais tangível a responsabilidade de cada um dos atores intervenientes, para os mercados essa tarefa parece mais hercúlea, uma vez que estes não se resumem apenas a um grupo, a uma comunidade, a uma classe profissional ou a um conjunto de empresas. Os mercados refletem-nos a todos, as nossas preferências, as nossas escolhas, mas também os nossos preconceitos, a nossa ignorância e a nossa indiferença. Quando se sabe que no conjunto dos países da OCDE as mulheres recebem em média menos 14,1% do que os homens, isso não é culpa dos mercados… é responsabilidade de todos nós.
Mas esta diferenciação não se constata apenas entre os dois géneros, verificando-se em vários fóruns, entre brancos e não brancos, urbanos e saloios, os ditos normais e os portadores de deficiências, os nórdicos e mediterrânicos, europeus e não europeus, americanos e latinos, enfim a lista é lamentavelmente interminável.
Sim, o mercado distingue-nos e fá-lo de forma preconceituosa, porque essa é igualmente a forma mais rápida que temos de avaliar os outros, baseando-nos em estereótipos difundidos socialmente e que se aplicam ou aplicaram à maioria de um universo de indivíduos igualmente categorizado pelo nosso espírito coletivo (volksgeist).
Aprendemos desde cedo a dividir e categorizar, porque assim gerimos melhor as nossas expetativas face ao que esperamos dos outros e, assim, acabamos por modelar as nossas interações sociais com base em induções ou mesmo deduções, como se o nosso quotidiano não nos tenha já provado que o lógico será a lógica falhar de vez em quando.
A segmentação da realidade nem sempre é a melhor forma de construir soluções ou resolver problemas, por mais urgentes que estes necessitem de ser resolvidos e os julgamentos precipitados acabam sempre por ter implicações que se replicam injustamente no tempo.
Enfim, devemos exigir que os responsáveis pela gestão da nossa vida coletivas sejam avaliados pelas suas decisões, e não apenas nos atos eleitorais, mas não devemos culpabilizar sempre os mercados pela iniquidade que todos nós, individual e coletivamente, ajudamos a cimentar.    

luis.beato.nunes@gmail.com

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