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Ensurdecedora gritaria: Um país em polvorosa

Florentino Beirão - 15/02/2018 - 9:28

Basta abrir os jornais ou ver os telejornais dos últimos dias, para nos darmos conta de que o país vive momentos de alta tensão palavrosa, em diversos setores da vida nacional. Uma gritaria tal que ensurdece os ouvidos mais obstruídos. Tudo é trazido à ribalta da opinião pública. Desde a sexualidade dos recasados, pela mão do cardeal patriarca, aos segredos da justiça, desvendados por jornais e revistas, à procura de chorudas tiragens. A subida das audiências parece tudo justificar. A este coro de vozes diárias se juntou a gritaria do mundo do futebol, onde não tem faltado o mínimo decoro e o mínimo respeito por sócios e adeptos. Posições ditatoriais e ameaçadoras, a fazer lembrar tempos antigos, onde imperava a suposta unanimidade. Os especialistas já vão avançando que o futebol em Portugal se joga mais nos bastidores do que nos relvados, onde se encontram os verdadeiros artistas. O que poderia ser um prazer lúdico tornou-se num jogo habilidoso obscuro de fações e de interesses inconfessáveis. Chegando mesmo a roçar a corrupção, já com a Justiça ao barulho. 
Neste clima de pouca saúde social, não faltaram mesmo as diatribes contra e a favor da proibição puritana de obras de arte “explícitas”. O preconceito à deriva, como se sabe e de fácil prova, só nos pode diminuir face aos novos tempos, em que a liberdade de pensamento artístico se tornou num sinal da nossa avançada civilização ocidental.
A ignorância, por sua vez, deveria mostrar mais contenção, por quem não entende nem quer compreender a obra artística, produzida ao longo da história. Na verdade, dá algum trabalho abrir as mentes a novos conceitos artísticos que emergem, fruto da criatividade dos artistas. A rejeição pura e simples será sempre um sinal de menoridade intelectual, eivada de preconceitos infundados. O obscurantismo, baseado na ignorância, torna-se assim impeditiva de podermos crescer como seres livres, em demanda da perfeição. Deste modo, podemos e devemos ser críticos, desde que abertos às ideias dos outros, que pensam de modo diferente. Ninguém é senhor da verdade, bem o sabemos e proclamamos. Na verdade, a racionalidade e o bom senso deveriam ser as grandes balizas que nos permitem a divergência, face ao novo e ao desconhecido. Não sendo assim, não poderemos evoluir, ficando-nos pelo preconceito e por águas passadas.
Aqui podemos introduzir uma reflexão sobre as novas mudanças - a nível dos costumes - com as quais o país se tem debatido nos últimos tempos. O divórcio a crescer aos saltos, o aborto já regulado na lei, o casamento entre homossexuais, as barrigas de aluguer, a despenalização da eutanásia, ainda em reflexão, bem como outros temas fraturantes, como as drogas e a robotização. Temas em aberto que não deixarão de continuar a dividir os cidadãos. Todos estes assuntos de cidadania, mais cedo ou mais tarde, vão bater-nos à porta, solicitando a nossa fundamentada e coerente opinião. Por vezes, repassada de dúvida, a solicitar a voz da consciência de cada um. Como cidadãos livres e responsáveis, dotados de inteligência e de experiência de vida, devemos estar abertos aos problemas que o mundo de hoje nos coloca. Não podemos fechar os olhos e tapar o sol com a peneira, para nos ocultarmos, cobardemente, atrás da sua rede.
Sabemos que na sociedade aberta em que vivemos, democraticamente, sempre que nos demitirmos, estamos a entregar a decisão a outros, nomeadamente aos políticos, a quem se pede, por sua vez, que saibam escutar e promover a auscultação das vozes do povo, tentando entender o sentir e a sensibilidade da maioria dos cidadãos, antes de aprovar as leis. À igreja católica, porventura, também não faria mal dar atenção às sensibilidades das comunidades dos crentes e praticantes, em matérias polémicas e controversas de disciplina que a muitos diz respeito. Todos teriam a ganhar e, certamente, se poderia evitar controversas tomadas de posição, discutíveis ou prejudiciais. Seria bom damos ouvidos às mensagens do Papa Francisco que não se cansa de ensinar que a Igreja, mais que condenar, deve ter uma atitude pastoral de inclusão, acolhendo, com misericórdia, as pessoas de boa vontade. Deste modo, a ensurdecedora gritaria dos últimos dias, bem poderia ter sido evitada.

florentinobeirão@hotmail.com  

 

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