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Leitores: Envenenar as ruas. Uma prática absurda

Leonel Azevedo - 15/03/2018 - 9:16

Os empregados da Junta de Freguesia de Sarnadas de São Simão, área da minha residência, visitam as ruas da minha aldeia uma vez por ano. E a sua visita constitui para mim um escândalo.

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Os empregados da Junta de Freguesia de Sarnadas de São Simão, área da minha residência, visitam as ruas da minha aldeia uma vez por ano. E a sua visita constitui para mim um escândalo. Em conformidade às ordens que recebem, no fim do Inverno ou início da Primavera, eles aparecem de “bomba” às costas distribuindo veneno (a que agora se dá o nome pomposo de produtos fitofarmacêuticos), a torto e a direito, pela ruas das aldeias que compõem a freguesia. De modo que em pouco tempo, uma semana (duas no máximo), ervas, flores e pequenas plantas apresentam (sem contar com o minúsculo “ecossistema zoológico” que gira em torno destes microcosmos) um aspecto desolador — como se um incêndio controlado e circunscrito varresse as ruas — e nelas passasse a habitar apenas a Natureza torturada e violentada. Até parece que as pessoas e as instituições odeiam a Natureza — tão mal a tratam! Ora, nada mais natural do que haver ervas, pequenas plantas e flores nas ruas, junto das habitações ou em lugares mais altaneiros, e as pessoas acarinharem-nas, pois embelezam o lugar onde habitamos. Sabemos existirem, desde tempos imemoriais, estes espaços ao redor das casas de habitação e, por consequência, das ruas onde as casas se situam. Aliás, geograficamente bem perto de nós, em várias vilas e cidades do Alto Alentejo, as Juntas de Freguesia e até as Câmaras Municipais ainda empregam actualmente meios totalmente ao arrepio do quadro tétrico que acabámos de descrever: não só promovem o respeito por tais espaços, como ainda os ajardinam e inculcam o gosto por tais práticas, fazendo concursos anuais da rua mais florida. É claro que não enumeramos aqui as vantagens de tais práticas sociais. Mas o mais grave da situação de “envenenar” as ruas consiste, de facto, na ignorância das consequências que esta prática acarreta. É nos espaços urbanos, mesmo das mais pequenas aldeias, que se situam — além dos espaços ajardinados atrás referidos — hortas e quintais onde se pratica a horticultura, base fundamental da alimentação da maior parte das populações locais. O envenenamento de ruas e taludes de estradas e de caminhos dá origem ao escorrimento e à infiltração daqueles produtos (muitos deles nocivos à saúde humana) nos terrenos de cultivo, nos cursos de água e lençóis freáticos. De modo que esta prática contribui para uma degradação da qualidade dos produtos alimentares, das águas e das belezas naturais.   
Assim, de alguns anos a esta parte, em vários lugares do nosso distrito (ainda bem que não cabe tudo no mesmo saco), o que parece natural é a natureza ardida, violentada, destruída: porque a imagem é idêntica àquelas que o rastro dos incêndios deixam no Verão. Porque não se faz isto para depois se vir limpar e varrer as ruas, mas sim por um prazer estranho, indescortinável, parecido com aquele que faz os pirómanos lançarem fogo à floresta. Durante largo tempo, Primavera e Verão, ali ficam as plantinhas ressequidas, definhadas — como símbolos da ignorância humana — muitas vezes só desaparecem pela acção do tempo, quando chegam as primeiras chuvas outonais. E aquilo que acontece aqui, nesta freguesia, repete-se em muitas outras dos concelhos do nosso distrito.  
E, como qualquer cidadão minimamente informado sabe, não se pode, assim sem mais nem ontem, envenenar as ruas, contaminar linhas de água e lençóis freáticos, sob a bandeira da limpeza das ruas — a qual, está bem de ver, não contribui para a limpeza, mas sim para um espectáculo triste, feio e revoltante. Mas mais importante do que triste, feio e revoltante, constitui um perigo e é uma prática nociva. Em nosso entender, deviam ser mesmo as Juntas de Freguesia e as Câmaras Municipais a promover acções de esclarecimento para reprimir o uso e abuso de tais produtos e as consequências nefastas que eles produzem na Natureza, na saúde humana e na herança que deixamos aos nossos vindouros. Pois as instituições deviam ser as primeiras guardiãs dos princípios, das normas, que regulam o emprego de produtos nocivos ao bem estar geral da Humanidade. (E a legislação europeia sobre o assunto é clara e contundente — infelizmente desconhecida da maior parte dos cidadãos e, ao que parece, de muitas instituições de poder local.)      
Chamamos “prática absurda” a esta (pseudo)limpeza de ruas e irresponsáveis aos homens que a promovem no espaço público. 
 

COMENTÁRIOS

jmarques
à muito tempo atrás
Totalmente d'acordo, só a ignorância pode justificar tal procedimento, esqueceram-se como os nossos antepassados eliminavam as ervas daninhas e não só.
Será que já não existem enxadas?