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Isna (Oleiros): Árvores irritantes

- 03/08/2017 - 10:03

Talvez pelo facto de lá haver muitas árvores, na Isna algumas pessoas sempre as trataram com indiferença e às vezes até com um certo desprezo. 

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Talvez pelo facto de lá haver muitas árvores, na Isna algumas pessoas sempre as trataram com indiferença e às vezes até com um certo desprezo. 
No início da década de 70 do Séc. XX, num determinado ponto da aldeia crescia um pinheiro isolado, então já com alguma dimensão. Poderão dizer que na Isna pinheiros há muitos mas, a singularidade daquele residia no facto de ter nascido num local onde eles não existiam, junto a uma casa de habitação, entre hortas e árvores de fruto. O pinheiro era tolerado e respeitado pelo proprietário que, por isso, sem esforço, passou aos dois filhos, então crianças, o mesmo sentimento de estima por aquela árvore. Pela tarde, o pinheiro provocava sombra na horta de um vizinho situada no outro lado do caminho. O dono da horta irritou-se com o pinheiro, aproveitou a ausência do proprietário, invadiu a propriedade alheia, munido de um machado e, perante a incredulidade das duas crianças e da sua avó, cortou o pinheiro que não lhe pertencia e tanto o incomodava. 
Nesse tempo, próximo da Barroca (designação da zona residencial da aldeia situada junto ao curso de água que desce do Covão d` Horta) havia uma amoreira, propriedade privada mas que, com o consentimento dos donos, as crianças usufruíam e estimavam como se fosse sua. Quando as amoras davam sinais de amadurecimento era uma alegria infantil geral, pelo fruto, pela tinta que ele produzia e pelas brincadeiras que essa tinta proporcionava. Os donos da amoreira faleceram e o herdeiro autorizou um residente a cultivar a pequena área agrícola em que a árvore estava plantada. O arrendatário irritou-se com o facto de as crianças, para chegarem à amoreira, terem pisado alguma ferrã (Centeio que se corta e seca antes de espigado para alimentação do gado – Jaime Lopes Dias, in Etnografia da Beira), pegou num machado e cortou a amoreira. Não foi bonito de ver, a tristeza das crianças quando iam para apanhar amoras e viram a amoreira cortada em pedaços em cima de uma parede. O autor da proeza morreu há uns anos, dizem que de morte natural e parece que já ninguém se lembra dele. Não se pode dizer o mesmo da amoreira.
Quando foi calcetada a rua de acesso à escola primária, junto ao muro da escola havia um conjunto de sobreiros grandes. Perante a perspetiva de serem arrancados para colocação da calçada, apesar de não serem sua propriedade, um habitante pediu para não os arrancarem, pois a rua nem sequer tinha saída, acabava ali. Menos uns metros de calçada e as árvores teriam sido preservadas. Um dos responsáveis pelas obras sentiu-se provocado (irritou-se!) e determinou que os sobreiros eram para arrancar, mandou avançar o caterpillar e foi tudo na frente, num exercício tão desnecessário quanto inútil.
Quando foi instalada a rede elétrica, junto ao caminho de acesso sul à Barroca, próximo da casa do Sr. Manuel da Serra, havia um grande sobreiro isolado, com um tronco que à altura de 2/3m bifurcava e abria numa copa volumosa, arredondada. Para colocação da rede elétrica, os que a instalaram, entenderam que ela tinha que passar por aquele lado do caminho, bateram o pé (irritaram-se?) e a bifurcação do sobreiro que crescia para o lado do caminho impedia a colocação dos fios. Foi cortada logo na divergência do tronco. O motosserra tinha a lâmina curta e ainda se engasgou, mas venceu. Ali ficou aquele espetáculo triste de um sobreiro amputado, com uma copa, agora em forma de meia-lua. A instalação de rede elétrica na aldeia teve contornos de anedota. Esteve parada (sem eletricidade na rede) uns 4 ou 5 anos. Quando a luz chegou a rede estava deteriorada por inatividade e houve que reformulá-la. Junto ao sobreiro a rede foi mudada para o outro lado do caminho, libertando o espaço que antes fora ocupado pela metade da copa, mas esta já não foi instalada, nem poderia ser. Quando se decidiu asfaltar o caminho entendeu-se que o sobreiro naquelas condições não era bonito e era melhor arrancá-lo. O dono, Sr. João Cardoso, ainda se opôs e resistiu mas, a entidade que se julgava competente para o efeito irritou-se, o caterpillar avançou e o sobreiro foi na frente.
Quando da construção da variante/desvio à aldeia, junto à represa da Horta de Baixo havia um castanheiro muito antigo que ficava próximo, mas fora do trajeto da estrada em si. A copa crescia para o espaço da futura estrada e incomodava as manobras do caterpillar no seu vaivém a arrastar a terra. Em determinado momento a máquina avançou um pouco mais para onde o manobrador não queria e uma parte da copa do castanheiro entrou por baixo do tejadilho aberto. O homem irritou-se! Fez a máquina, descer o aterro e atirou-se ao castanheiro. Passados 30 anos, o tronco ainda jazia no fundo do aterro. O dono do castanheiro, Sr. Francisco Afonso, nunca quis ir lá retirá-lo para nenhum efeito!... 
Partindo do artigo “Isna (Oleiros) E se vier um incêndio?” publicado no jornal Reconquista, edição de 20/7/2017, refletindo sobre o tema e sobre a construção da circular à aldeia (Anos 70, Séc. XX), há que dizer que, pela dimensão agressiva e destruidora desta obra, o incêndio já veio há 40 anos, não está extinto, mas o autor do artigo ainda não se apercebeu da sua existência. Essa construção foi, até hoje, o incêndio mais grave que atingiu a aldeia. A metáfora faz sentido: Como foi possível construir a parte inicial desta via (lado sul) em toda aquela extensão, desrespeitando a Geografia do lugar e a divisão das terras, cortando na diagonal várias várzeas, fragmentando-as, criando na zona mais frequentada da aldeia uma elevação tão grande quanto agressiva e desnecessária? O dono do caterpillar irritou-se, pelo facto de as alternativas perspetivarem menos serviço, disse que era por ali, açanhou a máquina, e foi! Com a escavação para encher o espaço mais profundo, constituído pelas várzeas, abriu-se uma grande ferida na encosta. A deslocação do início da via uns metros para Norte, teria colocado a entrada no alinhamento da estrada para a Ribeira da Isna, reduzindo a dimensão da barreira e melhorando a estética do lugar. Teria estragado uma só várzea e evitado a construção de uma barreira tão alta. Este incêndio está lá há 40 anos e não se prevê que venha a ser extinto. Habitantes e naturais da aldeia gostam de, uma vez por ano, fazer fogo-de-artifício junto a esta desgraça. Ou tragédia, sobretudo para a Sr.ª Maria Augusta e para o seu filho João que, com as poucas armas que tinham, lutaram contra a obra, perante a indiferença, e por vezes o desdém, de quem tinha o dever de os compreender, respeitar e proteger.
Agora, a propósito do incêndio ocorrido em Pedrógão Grande, no artigo referido, o Sr. António Lopes Luís, com as propostas formuladas, veio dizer que gostou dos procedimentos de “Tudo ou nada”, “Vai ou racha”, “Para grandes males grandes remédios”, “Arrancar o mal pela raiz”, “P`rá frente é que é Lisboa”, “De uma vez por todas” que, tão ao gosto popular, se praticaram na aldeia e… quer mais! Quer o abate de todos os pinheiros entre o desvio e a povoação, ou que estejam a menos de 200m das habitações e a abertura de mais variantes/desvios por entre a floresta… quer, portanto, machados afiados, motosserras de lâmina longa, caterpillar`s açanhados e, suponho, fogo-de-artifício para celebrar! 
Claro que é preciso adotar procedimentos de prevenção: Instalar bocas-de-incêndio nas aldeias, garantir a sua operacionalidade, disponibilizar mangueiras e ensinar aos residentes como utilizá-las, cortar a vegetação rasteira e, em algumas situações fazer desbastes, aumentando o espaço livre entre os pinheiros mas, com respeito pela sensibilidade das pessoas, da flora e do solo, nunca um corte a varrer, com a dimensão do que é proposto, ao estilo destruidor dos procedimentos do passado. A extinção massiva de árvores - e com ela de outros seres vivos - que ocorre no Planeta Terra, a excessiva impermeabilização do solo, com as consequências que já conhecemos, não podem ser preocupações só para depois, para quando abatidas as árvores e impermeabilizado o solo, definitivamente, já não houver incêndios. 

João Nascimento

P.S. I –No dia 7 de setembro de 2016, o concelho de Proença-a-Nova foi vítima de um grande incêndio que atingiu com intensidade a aldeia de Figueira. Antes, tinha sido construída na aldeia nova rede de abastecimento de água e com ela instaladas bocas-de-incêndio. Não se estranhou que ninguém tenha conseguido colocar aquele equipamento a funcionar? O incendiário está em julgamento. O depoimento das testemunhas de acusação, nas quais se incluiu um engenheiro civil, foi elucidativo para constatar como as pessoas valorizam pouco as árvores, dado o baixo valor que, em Tribunal, atribuíram aos seus bens queimados e aos do Concelho. 
P.S. II –Na devesa de Sobreira Formosa existiam 21 plátanos. Há 30 anos foram cortados 3. Em 2016 foram cortados mais 4. Portanto, um terço dos plátanos já foi! Mas está tudo bem! No lugar dos plátanos temos agora uma grande lage de cimento que é utilizada 3 dias por ano e os plátanos cortados foram muito úteis para queimar e aquecer a escola primária da vila!

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