Este site utiliza cookies. Ao continuar a navegar no nosso website está a consentir a utilização de cookies. Saiba mais

Magna Carta (1215) foi a percursora do Estado de Direito

Luis Costa - 14/06/2018 - 9:38

O mérito, o talento, a dignidade são quantidades desprezíveis na aritmética do sufrágio, o que tanto bastava para eliminar de uma vez esta perniciosa anormalidade social. Vedes o homem mais íntegro do reino e o mais infame? Cada um deles tem o seu voto; mas qual vale mais na urna? Qual influi mais na eleição do candidato? (E.I. “A nossa ruína”, O Progresso Católico, n.º 5, 5 de março de 1892).
Se a Magna Carta (1215) foi a percursora do moderno constitucionalismo e do Estado de Direito; se as primeiras comunidades do protestantismo radical se reivindicavam de uma autonomia e regulação de proximidade que ainda hoje marca o pulsar das respetivas sociedades; se a praxis do liberalismo revolucionário se quedou açaimada por um estrito controlo social e censitário, então a sobreposição entre democracia e liberalismo é claramente exagerada.
E se as regras que este preconizava para a implosão do Antigo Regime, o trespasse do poder para novos estratos sociais e a desregulação em favor da ‘sua’ economia serviam ao procedimento democrático, cumpriam também uma função de legitimação que se poderia chamar de populista.
A começar, naturalmente, pela do sufrágio ‘popular’, cuja novidade e extensão ao todo nacional a revestia de uma aparente universalidade, com inegável exuberância apelativa. É possível, então, criticá-la muitas vezes pelo que ela não era, mas pelo que parecia ser aos olhos de quem a precedeu. E, em simultâneo, pelo que prometia ser, ainda que a uma consciência difusa: ao propor a liberdade para todos, sem ter em conta as condições dessa mesma liberdade, visava apenas a liberdade de quem as tinha.
Ora, nos finais do séc. XIX, já crescera a maré em que tal ‘liberdade’ desaguava, privando dos mais elementares direitos de humanidade e cidadania alargados setores da população. E, ao franquear a porta aos poderes fáticos, condicionadora de uma efetiva separação de poderes, assim prestável à radical mudança da propriedade fundiária e às inovadoras formas de nela produzir.
Mas que, quebrando tradicionais equilíbrios, levara à arrastada conflitualidade que um tímido Estado só muito mais tarde aplacaria, nos seus domínios, ao recuperar alguma capacidade de mediação. E, sobretudo, ao convocar para a democracia muitos dos seus enjeitados, por insuficientes condições sociais e económicas.
Quando, em 1942, o parlamento britânico discute o Plano Beveridge, pregoeiro do Estado-social, a contra-argumentação é a de que tal despesa seria ordinariamente insuportável, enquanto que os custos da guerra eram extraordinários. Denotava-se, então, alguma consciência sobre as razões últimas daquela conflitualidade e o propósito de a não contrariar com ‘populismos’.
Assim, quando hoje, em nome dessa mesma lógica, se vão minando, planetariamente, as bases económicas e sociais da democracia, duas perguntas se impõem. Poderá ela ainda preservar-se à escala do Estado-nação? Qual o tributo que, numa outra escala, se lhe pretende prestar?

Luís Costa 

COMENTÁRIOS