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O desafio à humanização: A vertigem pela quantidade

Florentino Beirão - 16/02/2017 - 11:23

Nos dias de hoje, cada vez mais a quantidade parece prevalecer, quase sempre, sobre a qualidade. Na voracidade dos nossos dias, todos nos vamos deixando submergir pela quantidade de atividades que temos de desempenhar, sacrificando quantas vezes, a qualidade das mesmas. Se não vejamos exemplos repescados nos últimos tempos.
Recentemente, foi noticiado que se vai tentar estabelecer, para os médicos, tempos mínimos para as consultas, no serviço nacional de saúde. Arrepia pensarmos que os médicos vão ter tempos mínimos para consultar cada utente esquecendo que cada doente é um caso singular.
Também não nos sai da memória um dito lar particular para idosos, denunciado pelos meios de comunicação, social onde as pessoas se encontravam instaladas em condições miseráveis. Sopas de pão e leite e iogurtes fora do prazo, constituía uma boa parte da sua deficiente alimentação diária. Sem espaços mínimos para se movimentarem, com as camas umas em cima das outras, mais parecia um ambiente dantesco do que um espaço humanizado para pessoas que mereciam um melhor final nas suas vidas. A maioria delas, certamente, tantas vezes, sacrificadas pelos filhos e pela difícil gestão das suas famílias.
A exploração pelo usufruto indecoroso destes deficientes serviços, sacrifica a qualidade de vida dos idosos para ali despejados como condenados, no final dos seus dias. Cenas que arrepiam qualquer ser humano onde mora ainda algum respeito pela vida humana.
Claramente, a quantidade de utentes a atender, a prevalecer sobre a qualidade.
Mas poderíamos avançar com mais exemplos, embora menos chocantes, onde se pode sacrificar a qualidade de vida, em abono da quantidade.
Quantas vezes, as nossas crianças, pela quantidade de atividades que têm, para além da escola, veem os seus dias tão cheios, que mal lhes sobra o tempo para brincarem. Da piscina para o judo, da música para o futebol, da catequese para as explicações, é um nunca mais acabar de “stress” para elas e seus pais. A quantidade de ocupações poderá sacrificar a qualidade destas tenras vidas a necessitam de tempo para poderem dar largas às suas imaginativas brincadeiras de criança.
Certamente, ainda todos recordamos a multiplicação de universidades particulares que abriram em qualquer vão de escada, sem condições académicas mínimas, por esse país fora. O resultado todos nós o conhecemos. A quantidade acabaria por matar a qualidade do ensino aí ministrado. Hoje felizmente, já poucas restam.
Já agora mais um exemplo que nos entra pela casa todos os dias pela televisão. As correrias do Presidente da República querendo chegar a todo o lado não se coibindo de se ir pronunciando sobre tudo e por nada. A quantidade de aparições públicas, embora louváveis a maioria delas, não estarão a sacrificar a qualidade do cargo que exige alguma gravidade institucional. Outro tanto, embora com maior gravidade, o frenesim do Presidente Trump, com as televisões sempre presentes, para cobrirem as contínuas assinatura de leis, provocando acesas polémicas com a justiça americana.
Sabemos que os tempos modernos que nos é dado viver, estão condenados a uma dinâmica de competitividade tão forte que não se compadece com grandes demoras. A quantidade a prevalecer, quase sempre, sobre a qualidade. 
O fenómeno não sendo novo, teve o seu início com a Revolução Industrial, no séc. XVIII, onde se começou a ter como meta, não a qualidade, mas a quantidade. O capitalismo a exigir produzir o máximo, em menos tempo, para ficar mais barato está a tornar-se cada vez mais feroz, conduzindo, quantas vezes, à exaustão. O desafio à humanização tornou-se assimum imperativo à humanização da nossa civilização ocidental.
florentinobeirao@hotmail.com 

 

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