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O polémico Supernanny: Devassar a vida das crianças

Florentino Beirão - 01/02/2018 - 10:06

Em má hora, o canal da SIC tem vindo a exibir a vida privada de crianças e famílias, num bizarro espetáculo semanal. Não é por acaso que o intenso debate sobre este programa, já fez correr rios de tinta. Qualquer cidadão de bom senso, sobretudo pais, no seu íntimo, terá já sentido um mal-estar ou um arrepio, perante cenas televisivas em que as crianças são expostas nas suas fragilidades. Birras, teimosias, indisposições, preguiça e tantos outros comportamentos normais, para as suas tenras idades, são ali exibidos como se a criança fosse um bichinho do mato, um malcriado indomável.
Quanto a nós, o referido programa, não tem pretendido ser um momento de informação qualificada e séria, sobre a psicologia das crianças e de formação pedagógica dos pais, para lidar com os filhos. Pelo contrário, tem-se revelado um vergonhoso espetáculo televisivo, mostrando um mundo privado, completamente escancarado, uma espécie de um aterrador Big Brother orwelliano. Adeus liberdade e autonomia individual, valores inegociáveis, aqui espezinhados. Não bastando as novas redes sociais para diluir as fronteiras entre o privado e o público, vem agora um prestigiado meio de comunicação agredir princípios básicos da convivência humana, a troco não sabemos de que recompensas para os seus protagonistas.
Esquece-se que o exibicionismo sem pudor, da sagrada privacidade individual, pode resultar, mais tarde ou mais cedo, em nefandas consequências irreparáveis, para quem pratica este tipo de comportamentos, hoje tão usado nas redes sociais, sobretudo por jovens.
Ora, no referido programa, acontece que a criança indefesa não pôde exercer o direito de escolher a exibição da sua privacidade. Nem os seus pais têm o direito de escolher o que lhes aprouver para os seus filhos menores. Há limites que não se podem ultrapassar, sob pena de violar os direitos básicos e inalienáveis dos menores. Não é o caso das crianças revelarem publicamente, em festas da sua escola ou outras atividades lúdicas, as capacidades motoras ou artísticas, exibidas perante os seus familiares e amigos.
Devo confessar que, do referido programa, apenas vi a cena em que se exibia uma criança a fazer uma prolongada birra, por não querer comer a sopinha. Quantos de nós não passámos já por experienciar esse tipo de comportamento conflituoso? Normalmente, os pais, na sua sabedoria natural, não fazem desta cena um drama diário que, porventura, ponha em causa a autoridade parental e a disciplina da criança. Pelo contrário, vão descobrindo estratégias, para resolver este normal comportamento do filho. Há cantigas – Joana come a papa - livros com desenhos, o contar histórias, mil e uma maneiras de levar a água ao moinho, sem conflito pernicioso, entre as crianças e os seus pais ou educadores.
Porém, se não conseguirem resolver os problemas educativos, os pais têm hoje à sua disposição instituições sérias e credíveis, quer privadas quer públicas, para os poder ajudar. Até porque, cada criança é uma pessoa, de tal modo única, que deverá ser educada e respeitada na sua individualidade, como ser humano único.
O juiz Paulo Guerra, especialista na área da Proteção da Criança, sujeito de direitos, a este propósito, afirmou que “este programa televisivo viola a Convenção dos Direitos das Crianças”. Acrescentou ainda que acredita que “o Ministério Público avance com um procedimento cautelar, para proibir a emissão deste programa da SIC”. De facto, foi isso que já aconteceu. O Ministério Público acaba de processar este canal, por crime de desobediência, uma vez que se recusou a atender o pedido da Proteção de Menores, referente a este programa. Felizmente, até ao dia 15 de fevereiro, esta ignóbil exploração comercial de crianças e famílias fragilizadas, encontra-se suspensa, por decisão judicial. 
Se tiver problemas com os seus filhos, se achar que não tem capacidade para os ir resolvendo, a melhor opção, quanto a nós, é solicitar ajuda a profissionais. As receitas simplistas do referido programa, são mais para espetáculo exibicionista televisivo do sofrimento privado de crianças, sem idade de consentimento, do que uma ajuda séria e pedagogicamente eficaz, adaptada a cada caso. Cada criança é um mundo a compreender e a educar, com amor, carinho e dedicação. Exibir, em o sofrimento de uma criança é que jamais deverá ser permitido. florentinobeirao@hotmail.com 

 

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