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Leitores: O testamento de que somos herdeiros. Collegii Santi Fidelis

Manuel Veloso - 24/08/2017 - 9:25

Em janeiro de 2016, pela mão da minha amiga Paula Reis visitei o Colégio de S. Fiel, ou melhor, o abandonado e degradado edifício,  que outrora foi um estabelecimento de ensino de grande prestígio. 

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Em janeiro de 2016, pela mão da minha amiga Paula Reis visitei o Colégio de S. Fiel, ou melhor, o abandonado e degradado edifício,  que outrora foi um estabelecimento de ensino de grande prestígio. 
No passado dia 15, dia da Assunção de Nossa Senhora, um incêndio destrui-o por completo.
Contudo, as chamas devoraram as ruínas, mas não o seu simbolismo.
O Colégio foi uma das mais prestigiosas instituições de ensino portuguesa nas últimas décadas do século XIX. Casa de saber e de sabedoria da Companhia de Jesus, tinha um museu zoológico, um valioso Herbário, laboratório de Química, gabinete de Física e até Observatório Meteorológico. Do seu seio, também saiu a revista científica Brotéria. A qualidade do ensino que ministrava fez dele uma referência. Por lá passaram, entre outros, Afonso Costa(!), Egas Moniz(Prémio Nobel) e Cabral Moncada.
A implantação da República em 1910 e o movimento anti-clerical que se seguiu, levou ao seu fecho. No dia 11 de outubro, poucos dias depois do derrube da monarquia, uma força do Regimento de Cavalaria 8, cumprindo directivas políticas, apoderou-se do Colégio, forçando o corpo docente e eclesiásticos a fugir. A maioria encontrou rapidamente colocação em Espanha, França e Alemanha…!
Foi um golpe profundo do qual o Colégio nunca mais recuperaria. Sem se saber muito bem que destino dar ao imponente e majestoso edifício, cuja escala ainda hoje nos esmaga, foi o mesmo servindo, ao longo de alguns anos, para reformatório e casa de reeducação, até ser completamente abandonado. A degradação das instalações foi inevitável. Há anos que esperava um destino. A resposta nunca chegou e, no último dia 15, na vaga dos violentos incêndios que varreram a região, veio a “estocada final”.
E agora? É impossível dissociar os fogos que devoraram a Serra da Gardunha do incêndio do Colégio. Simbolicamente, o decadente edifício materializava um pouco o abandono a que o Interior tem estado votado.
Os fogos deste ano, na região e no resto do país, atingiram proporções que nos levam a pensar que nada poderá ficar como dantes. A devastação e o sentimento de perda na região atingiu proporções nunca vistas, deixando um vazio e tristeza que a todos toca.
Estamos, seguramente, mais que num ponto de viragem, num momento de não retorno. De forma um pouco redutora, dir-se-á que há dois caminhos: ou o Interior definha de vez ou se reinventa.
E, que reinvenção? Pergunta simples de complexa resposta.
Uma reinvenção que traga as respostas que há muito se esperam nesta terra que também é Portugal e em sentido oposto ao que tem sido a política de sucessivos  Governos , nomeadamente, no que a fecho de serviços tem sido feito.
À lógica do corte cego para aliviar orçamentos, terá de se sobrepor o de fixar pessoas nos territórios. Como temos visto os custos do despovoamento são superiores.
Parece claro que há medidas a reverter e serviços do Estado que terão de ser reequacionados. O ratio habitante/km2 tem-nos sido fatal e estes fogos liquidaram as poucas dúvidas que ainda tínhamos sobre o assunto.
Serviços do Estado, Estado descentralizado, por onde poderá passar o destino a dar ao ardido edifício…utopia? A verdade é que na região o que tem faltado de utopia tem sobrado em resignação.
E a resposta não pode vir só Administração Local e Central. Ela, passa também pela consciência de cada um no acreditar na força da Sociedade Civil.
Nós, os que por aqui moramos, também temos de nos reinventar. O legado que nos foi deixado é demasiado rico  para que o esqueçamos. 
No dia 15 ardeu parte da nossa memória colectiva. Ardeu uma parte de nós, mas não a vontade de continuarmos a carregar o testamento de que somos herdeiros.
 

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